OE2025 | Retrocessos em Portugal: das diferenças entre a Orçamentação sensível ao género e a orçamentação para os ODS

No passado dia 26 de julho, foi publicada pela Direção-Geral do Orçamento (DGO) a Circular do Orçamento N.º 1410 e respetivos anexos, com as Instruções para preparação do Orçamento do Estado para 2025. A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) lamenta profundamente que, contrariamente a anos anteriores (ver por exemplo Circular para 2024), não se verifique uma entrada específica nas instruções sobre “Orçamentos sensíveis ao género”, encontrando-se estes subsumidos no “Orçamento para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”, e que o correspondente Anexo específico IX-A, existente desde 2018 (ver por exemplo o Anexo IX-A de 2024), tenha sido substituído pelo Anexo XXI – ODS_Género .

Trata-se de um retrocesso tão mais grave quanto 1) o preenchimento não é obrigatório, 2) indicia erradamente que é direcionado apenas ao ODS 5 “Igualdade de Género” e 3) a terminologia utilizada “exista uma intervenção relacionada com prespetiva de género”, para além do erro ortográfico na palavra “prespetiva”, denota um profundo desconhecimento do que são orçamentos sensíveis ao género.

Excerto do Anexo XXI – ODS_Género da Circular do Orçamento

Recordamos que:

 

Os conceitos de orçamentação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e de orçamentação sensível ao género (gender budgeting) visam ambos alocar e gerir recursos de forma eficaz para alcançar objetivos específicos, MAS CONCENTRAM-SE EM DIFERENTES ALVOS E ESTRUTURAS!

Foco e Objetivos

Orçamentação sensível ao Género:

Foco: A orçamentação sensível ao género destina-se especificamente à igualdade de género e visa abordar as diferentes necessidades e prioridades de mulheres e homens, raparigas e rapazes.

Objetivos: O objetivo é promover a igualdade de género, assegurando que os orçamentos e despesas governamentais sejam planeados, executados e monitorizados de forma a abordar as disparidades de género. Isto inclui analisar o impacto das decisões orçamentais sobre as mulheres e os homens e ajustar as alocações para promover a justiça e a igualdade.

Orçamentação para os ODS:

Foco: A orçamentação dos ODS é centrada na concretização dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pelas Nações Unidas. Estes objetivos abrangem uma vasta gama de desafios globais, incluindo pobreza, fome, saúde, educação, mudanças climáticas, igualdade de género, água potável e saneamento, entre outros.

Objetivos: O objetivo é garantir que os orçamentos nacionais e as políticas financeiras estejam alinhados com os ODS. Isto envolve integrar as metas dos ODS no planeamento orçamental e nos processos de despesas para promover o desenvolvimento sustentável.

Âmbito

Orçamentação sensível ao género:

Âmbito: Mais focada e específica para questões de género em vários setores. Envolve analisar o impacto específico de género das políticas e programas orçamentais.

Exemplos: Alocação de fundos para programas de saúde das mulheres, apoio ao empreendedorismo feminino, garantia de acesso igual à educação e oportunidades de emprego para ambos os sexos e prevenção da violência contra as mulheres e raparigas.

Orçamentação para os ODS:

Âmbito: Abrangente e multidimensional, cobrindo aspetos económicos, sociais e ambientais do desenvolvimento sustentável. Inclui uma vasta gama de setores e questões, conforme refletido nos 17 ODS e nas suas 169 metas.

Exemplos: Investimentos em energia renovável, reformas na educação, melhorias na saúde e desenvolvimento de infraestruturas alinhadas com práticas sustentáveis.

Metodologia

Orçamentação sensível ao género:

Metodologia: Envolve uma análise de género das políticas e despesas orçamentais. Este processo inclui avaliar como as alocações orçamentais afetam a igualdade de género, incorporar a perspetiva de género no planeamento orçamental e garantir a responsabilização através de monitorização e avaliação sensíveis ao género.

Ferramentas: Declarações Orçamentais de Género, Auditorias de Género, Dados Desagregados por Sexo e Avaliações de Impacto de Género.

Orçamentação para os ODS:

Metodologia: Envolve mapear as alocações orçamentais e despesas para metas específicas dos ODS. Este processo inclui identificar despesas relacionadas com os ODS, alinhar planos de desenvolvimento nacional com os ODS e monitorizar e avaliar o progresso em direção às metas dos ODS.

Ferramentas: Identificação de Orçamentos ODS, Indicadores de Desempenho e Alinhamento de Planos de Desenvolvimento com os ODS.

Implementação

Orçamentação sensível ao género:

Implementação: Normalmente envolve departamentos ou unidades focadas nas questões de género dentro dos ministérios, bem como a colaboração com defensoras/es da igualdade de género e organizações da sociedade civil.

Desafios: Requer vontade política, dados sensíveis ao género e capacitação/formação para analisar e abordar eficazmente as disparidades de género nos processos orçamentais.

Orçamentação para os ODS:

Implementação: Geralmente envolve coordenação e colaboração intersetorial entre vários departamentos governamentais, organizações internacionais e partes interessadas para garantir que todos os ODS sejam abordados de forma abrangente.

Desafios: Requer a integração de uma ampla gama de objetivos no planeamento nacional, o que pode ser complexo e exigir muitos recursos.

Quer a orçamentação para os ODS, quer a orçamentação sensível ao género visam melhorar a eficácia e a equidade da alocação de recursos públicos. Contudo, a orçamentação dos ODS tem um âmbito mais amplo, abrangendo todos os aspetos do desenvolvimento sustentável, enquanto a orçamentação sensível ao género se concentra especificamente na promoção da igualdade entre mulheres e homens, raparigas e rapazes. Ambas as abordagens requerem análise sistemática, planeamento e monitorização para alcançar os seus respetivos objetivos. Substituir a orçamentação sensível ao género pela orçamentação dos ODS não é aconselhável, pois cada abordagem serve a propósitos distintos e aborda diferentes dimensões da política pública e da alocação de recursos. São várias as razões:

 

Foco Específico na Igualdade de Género

Orçamentação sensível ao género: Visa diretamente a igualdade de género, procurando atender às necessidades e disparidades específicas enfrentadas por mulheres e homens, raparigas e rapazes. Garante que as políticas e alocações orçamentais considerem explicitamente e visem corrigir as desigualdades de género.

Orçamentação para os ODS: Embora inclua a igualdade de género como um dos seus objetivos (ODS 5), o seu foco mais amplo em todos os 17 ODS significa que as questões de género podem não receber a atenção e os recursos concentrados de que necessitam.

Análise de Género Detalhada

Orçamentação sensível ao género: Envolve uma análise detalhada e avaliação do impacto específico de género das políticas orçamentais, permitindo intervenções direcionadas que abordam diretamente as disparidades entre mulheres e homens.

Orçamentação para os ODS: Tende a ser mais geral e pode não aprofundar tanto nas questões específicas de género, potencialmente levando a estratégias menos eficazes para alcançar a igualdade de género.

Recursos Dedicados e Responsabilização

Orçamentação sensível ao género: Garante que recursos dedicados sejam alocados para iniciativas de igualdade de género e inclui mecanismos para monitorizar e avaliar o seu impacto, promovendo a responsabilização.

Orçamentação para os ODS: Pode diluir o foco na igualdade de género devido a prioridades concorrentes entre os vários ODS, potencialmente levando a um financiamento insuficiente e a mecanismos de responsabilização mais fracos para resultados específicos de igualdade entre mulheres e homens.

Abordagem da Interseccionalidade

Orçamentação sensível ao género: Pode abordar de forma mais eficaz a interseccionalidade do sexo com outras categorias sociais, como raça, classe, idade, território etc. levando a políticas mais ajustadas e eficazes.

Orçamentação para os ODS: Embora capaz de abordar múltiplas dimensões da sustentabilidade, pode não capturar sempre as nuances interseccionais das questões de género tão abrangentemente quanto a orçamentação sensível ao género.

Contexto Histórico e Social

Orçamentação sensível ao género: Reconhece e aborda diretamente contextos históricos e sociais que levaram a desigualdades de género, garantindo que as políticas sejam sensíveis a essas realidades.

Orçamentação para os ODS: Embora seja abrangente, pode não considerar sempre os contextos históricos e sociais específicos da desigualdade de género com a mesma profundidade.

Empoderamento e Participação

Orçamentação sensível ao género: Incentiva a participação e o empoderamento das mulheres no processo orçamental, promovendo a tomada de decisão inclusiva.

Orçamentação para os ODS: Embora promova o desenvolvimento inclusivo de forma geral, pode não enfatizar tanto a participação ativa das mulheres nos processos orçamentais.

Estruturas Legais e Institucionais

Orçamentação sensível ao género: Muitas vezes integrada em estruturas legais e institucionais especificamente desenhadas para promover a igualdade de género, garantindo que a perspetiva de género seja sistematicamente incluídas em todas as fases do processo orçamental.

Orçamentação para os ODS: Foca-se em alinhar os orçamentos com um conjunto mais amplo de objetivos de desenvolvimento, o que pode não garantir sempre que a perspetiva de género seja priorizada ou institucionalizada da mesma forma.

A orçamentação sensível ao género e a orçamentação para os ODS são complementares, não intercambiáveis. Enquanto a orçamentação dos ODS fornece uma estrutura abrangente para o desenvolvimento sustentável, a orçamentação sensível ao género garante medidas focadas e eficazes para alcançar a igualdade entre mulheres e homens. É crucial manter um processo distinto de orçamentação sensível ao género para garantir que as questões de género recebam a atenção, os recursos e a responsabilização específicos necessários para abordar efetivamente as disparidades profundamente enraizadas entre mulheres e homens.


⇒ Consulte o nosso policy paper sobre o OE2024 com recomendações para o futuro, distribuído num evento co-organizado pela PpDM com a 1ª Comissão da Assembleia da República, em 20.10.2023, e mais sobre o nosso trabalho sobre orçamentos sensíveis ao género.

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