CEDAW: Relatório de seguimento da PpDM
A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) apresentou o relatório de seguimento ao Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), quanto às 4 Observações finais do Comité a Portugal, adotadas em junho de 2022, cuja implementação era de caráter urgente – no espaço de 2 anos, até 2024.
Principais desafios e preocupações
1. Definição de Igualdade e Não Discriminação
§11 (c) Assegurar que a discriminação contra as mulheres e as suas formas agravadas e interseccionais sejam adequadamente consideradas na legislação e políticas do Estado Parte relacionadas com todas as áreas abrangidas pela Convenção em benefício de mulheres mais vulneráveis.
Embora Portugal tenha adotado planos nacionais sobre igualdade entre mulheres e homens e relativo ao combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica, preocupa-nos a falta de uma estratégia abrangente para combater o sexismo instalado e atualmente reforçado e a misoginia nos meios de comunicação social e, acima de tudo, no discurso público e nas práticas institucionais.
O Plano Nacional para a Igualdade entre Mulheres e Homens inclui 6 medidas para as mulheres em situação de vulnerabilidade, centradas na formação de profissionais que prestam apoio às pessoas em situação de sem-abrigo, a pessoas refugiadas, a migrantes e às comunidades ciganas. Acresce uma medida de promoção da igualdade para pessoas idosas e para pessoas com deficiência, e apenas uma medida que aborda especificamente a discriminação contra mulheres migrantes, negras, afrodescendentes e ciganas – a única que contempla uma abordagem explicitamente intersectorial.
Ainda, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) financiou uma investigação para uniformizar as proteções contra a discriminação em Portugal, cujos resultados foram publicados em Multiversidade – Livro Branco sobre Discriminação Múltipla e Interseccional, mas as suas recomendações alarmam o movimento das mulheres por ignorarem a desigualdade estrutural baseada no sexo. As preocupações também incluem a proposta de dissolução do organismo nacional para a igualdade a favor de uma entidade generalista designada por “Agência para a Igualdade”.
Verificamos também uma redução da representação das mulheres no Parlamento e uma despromoção da pasta da igualdade entre mulheres e homens no ordenamento ministerial (Ministra para a Juventude e Modernização surge em 15º lugar).
Há questões graves relativas à falta de financiamento às associações de mulheres e, ainda, problemas quanto à orçamentação sensível ao género, sinalizadas pela PpDM anteriormente, com impacto na diminuição do número de medidas inscritas no OE2025.
2. Mecanismos nacionais para o avanço das mulheres e do mainstreaming de género
§15 (a) Reforce o seu mandato com medidas para o avanço das mulheres e para os direitos humanos das mulheres em igualdade de condições com os homens.
Assistimos a uma relegação das questões relativas às mulheres: desde o alargamento das competências da CIG que as questões específicas das mulheres têm sido menorizadas. Esta mudança tem tido um impacto na promoção dos direitos das mulheres e na eliminação das desigualdades entre mulheres e homens.
Por outro lado, a CIG iniciou recentemente o processo de registo das ONG através de um formulário eletrónico, 12 anos após a obrigatoriedade de o fazer em conformidade com o Decreto Regulamentar n.º 1/2012, de 6 de janeiro. Surgiram duas questões principais:
- Requisitos de filiação: Para ser reconhecida como uma ONG nacional, uma organização deve ter um mínimo de 1.000 membros (0,1% da população de PT). Isto representa um desafio significativo em particular para as associações de mulheres auto-representantes, tais como mulheres migrantes de países específicos ou mulheres que vivem com VIH, entre outras. Como resultado, várias ONGDM podem ser classificadas na categoria de local, o que limita o seu âmbito operacional e, em alguns casos, é mesmo contrário aos seus estatutos constitutivos.
- Divisão entre ONGM e outras ONG: para este critério apenas é considerada a composição dos órgãos sociais e o sexo de pessoas associadas, o que acaba por classificar associações de mulheres como a Associação Contra o Femicídio e a Inspiring Girls como outras ONG.
3. Violência contra as mulheres e as raparigas
§23 (d) Implementar as recomendações anteriores do Comité (CEDAW/C/PRT/CO/8-9 para. 23 c) para estabelecer um mecanismo de cooperação e coordenação eficazes entre os tribunais familiares e penais, a fim de garantir que as mulheres recorrem imediatamente a ordens de proteção civil e injunções contra parceiros abusivos, sem necessidade de instaurar processos penais.
Constatamos:
- Falta de coordenação entre os tribunais: persiste a necessidade de mecanismos eficazes entre os tribunais penais e os tribunais de família, bem como de acesso imediato às ordens de proteção sem necessidade de um processo penal.
- Aumento da violência sexual online contra crianças: Durante a pandemia e no período pós-pandemia, registou-se um aumento significativo do abuso e da exploração sexual online de crianças, em especial de raparigas e mulheres jovens. Apesar desta tendência alarmante, há uma grave ausência de políticas públicas e de dotações orçamentais dedicadas à prevenção e proteção das crianças, bem como de mecanismos de apoio às vítimas. Isto reflecte uma questão mais ampla – os direitos e a segurança das crianças continuam a não ser uma prioridade em Portugal.
- Falhas na Avaliação de Risco de Violência Doméstica: Embora o instrumento de avaliação de risco apresente melhorias técnicas, existem sérias preocupações quanto à interpretação dos seus vários itens no manual do utilizador que a acompanha. A má interpretação destas avaliações pode distorcer o nível de risco real de violência ou letalidade, conduzindo a uma proteção inadequada das vítimas.
- Barreiras legais para as vítimas de violência doméstica: A isenção de custas judiciais aplica-se apenas a processos criminais e não a processos civis, incluindo divórcios, divisão de bens ou guarda e responsabilidade parental. O apoio judiciário para as vítimas e no caso para estes processos deve ser solicitado separadamente à Segurança Social, sendo necessário apresentar um conjunto significativo de documentos. Por outro lado, o apoio judiciário para os agressores em processos crime é concedido automaticamente enquanto para as vítimas não o é, criando-se assim um desequilíbrio no acesso à justiça.
4. Direitos das Mulheres com Deficiência e Saúde Reprodutiva
§41 (c) Garanta o consentimento total, gratuito e informado das mulheres com deficiência para qualquer intervenção ou tratamento médico, dê formação a profissionais de saúde em matéria de direitos humanos, dignidade, autonomia e necessidades das mulheres com deficiência e promulgue normas éticas para cuidados de saúde públicos e privados.
O relatório destaca a persistência da esterilização forçada de raparigas e de mulheres com deficiência, uma prática ainda legalmente permitida em Portugal. Além disso, há cada vez mais barreiras no acesso ao aborto e encerramento de serviços obstétricos em diversas regiões limitam os direitos reprodutivos das mulheres. É urgente a implementação de políticas públicas para garantir serviços de saúde adequados, incluindo apoio para as mulheres em menopausa.
Recomendações do Relatório
- Reformas legislativas e institucionais: Aleração à Lei da Paridade colocando o limiar de paridade nos 50/50 e adotando um sistema zipper no ordenamento das listas; reforço da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) como mecanismo nacional para o avanço das mulheres e do mainstreaming de género.
- Orçamento sensível ao género: Torna-se essencial garantir financiamento estável e regular para as associações de mulheres e tornar obrigatório e específico o mainstreaming de género nos orçamentos do Estado.
- Melhorar a coordenação judicial: Implementar mecanismos eficazes entre tribunais criminais e de família para garantir a proteção imediata às vítimas de violência masculina.
- Direitos reprodutivos e saúde: Criminalizar a esterilização forçada de raparigas e mulheres com deficiência, melhorar e ampliar o acesso ao aborto e garantir serviços de saúde materna de qualidade em todo o país.
- Combate ao sexismo e misoginia: Criar iniciativas para enfrentar a misoginia nos meios de comunicação social e no discurso político e público.
O nosso relatório destaca retrocessos e desafios, mas também aponta recomendações concretas para realizar os direitos das mulheres em Portugal. É fundamental que o Estado responda a estas preocupações com compromissos sólidos e ações efetivas. Afinal, trata-se de mais de metade da população portuguesa que é contribuinte e financia as políticas públicas e deve ser igualmente beneficiária das mesmas.