Integração da perspetiva de género na agenda climática global: A estreia da PpDM na COP29
A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) estará presente na 29ª Conferência das Partes (COP29) da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC), como parte da Delegação do Governo Português, entre os dias 18 e 23 de novembro, em Baku, no Azerbaijão. Esta será a sua primeira participação neste fórum, que inclui a presença das delegadas Diana Pinto e Maria Sepúlveda no dia da igualdade entre mulheres e homens da COP, bem como a parceria da PpDM no Ciclo de Eventos “Mulheres pelo Clima” promovido pela sua organização-membro, a Business as Nature (BasN).
No quadro deste Ciclo, serão promovidos quatro eventos a decorrer no Pavilhão de Portugal, localizado na Blue Zone da COP29:
O primeiro, intitulado “Mulheres pela Água: Da Eficiência à Adaptação”, decorre a 19 de novembro às 17h30. Este encontro visa dar visibilidade ao papel das mulheres dos países de língua portuguesa na gestão e preservação da água, sublinhando a sua dedicação diária à proteção, acesso, uso eficiente e regeneração deste recurso vital. Aborda ainda os desafios impostos pela seca e a necessidade de adaptação e mitigação às mudanças climáticas. O evento será transmitido online no canal de YouTube da Secretaria-Geral de Ambiente, disponível aqui.
No dia 20 de novembro às 17h30, realiza-se o evento “Rede de Cidades Pink Circle: Ação Climática Local”. Este segmento incidirá sobre a iniciativa da BasN que promove a Rede de Cidades Pink Circle, com o objetivo de criar condições que favoreçam o empreendedorismo e o emprego feminino no setor da economia circular e de baixo carbono. Serão apresentadas boas práticas de municípios piloto, enfatizando a inclusão da perspetiva de género em políticas para um futuro sustentável e resiliente às alterações climáticas. Este evento também será transmitido online, disponível aqui.
O evento “Clima: A Perspetiva de Género nas Políticas Ambientais e Envolvimento das Mulheres e das Raparigas” irá decorrer no dia 21 de novembro, dia da Igualdade de Género da COP, pelas 10h00. Co-organizado pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) e pela BasN, este encontro destacará a importância de integrar a perspetiva de género na definição de políticas ambientais e estratégias de mitigação das alterações climáticas. Focará, ainda, o papel fundamental das mulheres e das raparigas na criação de soluções para a crise climática, e contará com a participação das delegadas da PpDM à COP29, Diana Pinto e Maria Sepúlveda no painel “Resultados da Reportagem e Peddy Paper nos Pavilhões dos Países de Língua Portuguesa na COP”. A transmissão online estará disponível aqui.
Mais tarde, no mesmo dia, às 15h30, terá lugar o último evento “Mulheres pelo Clima: Reforçar a Ambição e Amplificar o Impacto da Ação”. O objetivo principal é promover uma Coligação Global que integre o Nexus Clima & Género e impulsione a inclusão do movimento Mulheres pelo Clima na agenda política da COP29. Este evento alinha-se com os pilares da conferência – “Aumentar a Ambição, Possibilitar a Ação” – e enfatiza a importância de redes de cooperação internacional para a criação de ações complementares. Além disso, promoverá o diálogo entre os países de língua portuguesa, sublinhando o compromisso ativo das mulheres na construção de soluções climáticas. Este evento pode também ser acompanhado online, aqui.
COP29, também conhecida como a Finance COP
Tendo dado início na passada segunda-feira, 11 de novembro, a COP29 promete ser um evento crucial no contexto da política climática global. Com uma agenda que prioriza o financiamento para a ação climática, as lideranças mundiais debatem a criação de uma Nova Meta Quantificada Coletiva de Financiamento Climático (NCQG), destinada a substituir o compromisso de 100 bilhões de dólares anuais (2020-2025) acordado em 2015. Esta nova meta de financiamento visa não só apoiar os países mais vulneráveis com recursos para mitigação e adaptação, mas também contornar perdas e danos causados por eventos climáticos extremos. No entanto, as discussões em torno do financiamento têm sido marcadas por divergências entre os países do Norte e do Sul Global, particularmente quanto à origem e estrutura dos fundos. As organizações da sociedade civil e várias nações do Sul Global exigem que os novos compromissos financeiros sejam justos e realistas, além de proporem que os fundos sejam concedidos como subvenções, evitando o aumento da dívida para os países mais afetados pela crise climática.
Outro ponto fundamental será o fortalecimento dos compromissos climáticos nacionais, ou NDCs, estabelecidos pelo Acordo de Paris, cuja próxima rodada de submissões ocorrerá em 2025. A COP29 deve, portanto, sinalizar as intenções dos países em relação ao aumento de suas metas de redução de emissões, mantendo o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5°C e promovendo a transição justa para economias de baixo carbono. No entanto, o papel do Azerbaijão como anfitrião levanta a muitas/os preocupações: o país é um grande produtor de gás fóssil e planeia expandir essa produção nos próximos anos, uma contradição significativa no contexto de uma conferência cujo objetivo central é acelerar a redução do uso de combustíveis fósseis. Com uma liderança oriunda da indústria petrolífera, a COP29 adivinha-se um cenário de intensos debates e pressões, onde se espera que a sociedade civil e os grupos ambientais tenham uma voz ativa, exigindo transparência e compromisso real com a transformação climática global. Nesse sentido, a integração da perspetiva de género nas políticas climáticas é imperativa.
As mulheres e as raparigas, especialmente aquelas provenientes de comunidades vulneráveis, são desproporcionalmente afetadas pelos efeitos adversos das mudanças climáticas, como os desastres naturais, a escassez de recursos e a degradação ambiental, devido a desigualdades estruturais e desequilíbrios de poder que limitam o seu acesso a recursos, educação e capacidade de decisão. Esta vulnerabilidade é agravada por responsabilidades acrescidas relacionadas com o trabalho de cuidados não remunerado e pela maior exposição ao risco de pobreza, que tornam as mulheres e as raparigas mais suscetíveis às crises ambientais e às transições económicas associadas.
No entanto, as mulheres também são poderosas agentes de mudança e lideram inúmeras iniciativas de adaptação e mitigação nas suas respetivas comunidades, aproveitando o seu conhecimento e experiência para promover soluções inovadoras e sustentáveis. Como sublinha a Recomendação Geral n.º 37 da CEDAW, é essencial integrar a perspetiva de género nas estratégias de redução de riscos de desastres e nas políticas climáticas para alcançar a igualdade substantiva. A Recomendação enfatiza a importância da participação ativa das mulheres em todos os níveis de tomada de decisão, para que as medidas climáticas sejam verdadeiramente eficazes e inclusivas.
A presença ativa das mulheres nas negociações climáticas é fundamental para construir estratégias inclusivas que abordem não só os impactos imediatos, mas também as causas subjacentes das mudanças climáticas, promovendo um futuro resiliente e sustentável para todas e todos. A inclusão de mulheres não é uma medida simbólica, mas uma necessidade estratégica que aumenta a legitimidade, a representatividade e a eficácia das políticas globais de combate às mudanças climáticas. A Área K da Plataforma de de Ação de Pequim, dedicada ao ambiente, reitera esta necessidade, sublinhando que a gestão ambiental e o desenvolvimento sustentável devem incorporar as perspetivas das mulheres e assegurar a sua participação ativa. A participação da delegação da PpDM neste fórum é, assim, informada por robustos e essenciais referenciais de direitos humanos das mulheres a nível internacional.
De facto, a Women & Gender Constituency, uma coligação global de organizações que se dedica à promoção e defesa dos direitos humanos das mulheres, e uma das nove organizações observadoras oficiais que representam a sociedade civil sob a UNFCCC, particularmente no ponto de interseção entre género, clima e meio ambiente, endereçou, em fevereiro deste ano, uma carta a Mukhtar Babayev, o então designado Presidente da COP29, exigindo a centralidade da perspetiva de género na liderança e resultados do fórum. O documento, assinado por mais de 180 organizações da sociedade civil provenientes de todo o mundo, alerta para que a falta de ação deliberada em relação à participação das mulheres e à promoção da sua liderança nos processos climáticos a longo prazo seja um obstáculo fundamental para a eficácia das ações contra as alterações climáticas. Além disso, a correção reativa, sem mudanças substanciais e estruturais nas abordagens, ignora a necessidade urgente de integrar as mulheres, especialmente as de grupos marginalizados, nas decisões que afetam o futuro climático global.
A análise dos dados recentes confirma que a participação das mulheres nas negociações climáticas continua a ser insuficiente. Em 2008, as mulheres representavam apenas 31% das pessoas delegadas à COP14, com apenas 15% a chefiar as delegações. Esse número subiu para 35% na COP27, em 2022, e 34% na COP28, em 2023, uma melhoria ainda aquém do necessário, dada a evidência crescente de que as alterações climáticas acentuam as desigualdades já existentes entre os sexos. O documento alerta ainda para o desequilíbrio entre mulheres e homens no Comité Organizador da COP29. Para desafiar os modelos económicos e as estruturas de poder que impulsionam a crise climática, assim como as injustiças sociais e a discriminação estrutural com base no sexo, é necessário garantir uma representação igualitária e significativa, o que é um passo crucial para o futuro.
O Plano de Ação de Lima sobre Género: uma ferramenta essencial para a igualdade e a ação climática
A participação da PpDM na COP29, no ano em que se prevê a revisão do Plano de Ação de Lima sobre Género (Lima Work Programme on Gender), assume uma relevância estratégica. Adotado em 2014 durante a COP20 no Peru, este plano representa um marco nas políticas climáticas globais ao reconhecer a importância de integrar a perspetiva de género de forma transversal em todas as respostas às alterações climáticas. Esta revisão constitui uma oportunidade única para reforçar o compromisso global com a igualdade de entre mulheres e homens e a sustentabilidade, permitindo que as organizações de mulheres influenciem as decisões e promovam soluções inclusivas e eficazes.
O Plano de Ação de Lima articula cinco áreas de ação essenciais:
- Capacitação, gestão de conhecimento e comunicação: Fomenta a integração sistemática de considerações de género nas políticas climáticas, promovendo o uso de conhecimento especializado e assegurando que as ações climáticas contribuam para a efetivação da igualdade entre mulheres e homens. Destaca-se o papel da comunicação e do intercâmbio de saberes como ferramentas para promover a liderança feminina e garantir que as soluções climáticas sejam responsivas às necessidades das mulheres.
- Equilíbrio entre os sexos, participação e liderança das mulheres: Visa alcançar e manter uma participação plena, igual e significativa das mulheres nos processos da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC). Este pilar reforça a importância de garantir que as mulheres tenham voz ativa e influente em todas as esferas de decisão climática.
- Coerência: Promove a integração de considerações de género nos organismos constituintes da UNFCCC, bem como na ação de entidades da ONU e de outras partes interessadas. Este esforço de coerência assegura a aplicação consistente de mandatos e ações relacionadas com as mulheres e raparigas em toda a arquitetura global de governança climática.
- Implementação e meios de implementação sensíveis ao género: Garante que a igualdade entre mulheres e homens e o empoderamento das mulheres sejam respeitados e promovidos na implementação da Convenção e do Acordo de Paris. Ações concretas nesta área são essenciais para abordar as desigualdades estruturais que agravam a vulnerabilidade das mulheres às mudanças climáticas.
- Monitorização e reporte: Fortalece os mecanismos de acompanhamento e reporte no âmbito do programa de trabalho de Lima. Este acompanhamento rigoroso é fundamental para avaliar o impacto das políticas e identificar áreas para melhorar.
Este Plano é entendido como um documento vivo, concebido para evoluir de forma contínua, capaz de responder aos desafios emergentes do nosso tempo. A sua flexibilidade permite a incorporação de novas perspetivas, abordagens e aprendizagens a cada revisão, garantindo que a igualdade entre mulheres e homens continue a desempenhar um papel central na política climática. Reconhece-se, assim, a importância fundamental do papel das mulheres na criação de soluções inovadoras, resilientes e inclusivas, essenciais para a construção de um futuro sustentável.
«Nunca foi tão crucial que a igualdade de género e a ação climática avancem juntas», afirmou Simon Stiell, Secretário Executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC).
Apesar de tudo isto, são muitas as dificuldades que antevemos no processo de influência e negociação da revisão do Plano de Ação de Lima. Pela primeira vez, os talibãs, um grupo extremista militante islâmico que governa o Afeganistão desde 2021 e, anteriormente, de 1996 a 2001, participam na conferência como observadores. Esta participação ocorre num contexto internacional em que se discute a possibilidade de qualificar a sua política como um apartheid de sexo, dada a grave repressão dos direitos humanos fundamentais das mulheres e raparigas afegãs sob o seu regime. Importa ainda referir que as Nações Unidas não reconheceram formalmente o governo talibã e, até agora, este não ocupa o assento do Afeganistão na Assembleia Geral da ONU.
A participação da sociedade civil, em particular de organizações feministas como a PpDM, será crucial para contrabalançar estes desafios e garantir que o Plano de Ação de Lima continue a ser um instrumento poderoso para promover a igualdade entre mulheres e homens e a justiça climática.
Assim, a PpDM, com a sua experiência e rede de organizações-membros, está posicionada de forma única para contribuir para este diálogo global, defendendo políticas que não apenas reconheçam os desafios enfrentados pelas mulheres, mas que também aproveitem a sua capacidade como líderes e agentes de mudança no combate às alterações climáticas.
Projeto “Women in Climate”
Simultâneamente, a PpDM lança o seu mais recente projeto Women in Climate, promovido pelo Lobby Europeu das Mulheres (LEM), que tem como objetivo assegurar que as futuras políticas climáticas da União Europeia (UE) sejam sensíveis às questões que dizem respeito à igualdade entre mulheres e homens.
O Women in Climate nasce do reconhecimento, anteriormente mencionado, de que as alterações climáticas, com as suas consequências devastadoras, afetam desproporcionalmente mulheres e raparigas.
Os desastres ambientais como inundações e incêndios florestais, que têm vindo a ocorrer com maior frequência na Europa e em todo o mundo, expõem as desigualdades estruturais entre mulheres e homens. As mulheres, que frequentemente enfrentam maiores riscos de pobreza e têm responsabilidades acrescidas em termos de cuidados não remunerados, são particularmente vulneráveis às crises ambientais e às transições económicas associadas.
Apesar das obrigações da UE em integrar a perspetiva de género nas suas políticas, conforme consagrado nos Tratados Europeus e na Estratégia de Igualdade de Género 2020-2025, o progresso tem sido lento. Iniciativas como o Pacto Ecológico Europeu não têm incorporado de forma efetiva as questões de género, e há uma falta de dados desagregados por sexo que evidenciem os impactos diferenciados das políticas climáticas. Assim, o projeto Women in Climate procura promover a igualdade entre mulheres e homens no contexto das alterações climáticas, reconhecendo as mulheres como agentes de transformação e participantes fundamentais na definição de políticas ambientais eficazes.
Com base em estudos que apontam como as mulheres, especialmente de comunidades marginalizadas, são desproporcionalmente afetadas por desastres ambientais, o projeto visa fortalecer a capacidade das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) para pressionar e influenciar a execução de políticas que tenham em consideração os impactos específicos sofridos por mulheres e raparigas. Além disso, o projeto propõe-se capacitar as OSCs com ferramentas que as ajudem a integrar uma perspetiva de género nas suas iniciativas ambientais, promovendo o diálogo e a participação democrática.
Assim, o Women in Climate tem como objetivos finais:
- Fortalecer a inclusão das mulheres nas políticas climáticas da UE: Assegurar que as políticas ambientais e climáticas incorporem uma perspetiva de género, considerando as necessidades específicas das mulheres e raparigas.
- Promover a participação democrática: Incentivar a participação ativa das mulheres e de comunidades marginalizadas no processo de tomada de decisão da UE, através de uma abordagem de base.
- Capacitar Organizações da Sociedade Civil (OSCs): Proporcionar às OSCs conhecimento e ferramentas para integrarem preocupações ligadas aos direitos humanos das mulheres nas suas iniciativas ambientais.
- Fomentar o diálogo e a troca de boas práticas: Facilitar o intercâmbio de ideias e soluções entre cidadãs e cidadãos, OSCs e decisoras e decisores de política.
- Desenvolver recomendações políticas: Elaborar propostas que serão apresentadas às decisoras e decisores de política a nível europeu, promovendo políticas mais inclusivas e sustentáveis.
Mais informações sobre o projeto em breve!
A participação da PpDM na COP29 e o lançamento do Women in Climate são dois pilares interligados de um esforço concertado para promover políticas climáticas eficazes e equitativas, colocando a igualdade entre mulheres e homens como uma componente central na luta contra as alterações climáticas.