Mais de 8.000 vozes contra a impunidade e a violência sexual
A carta aberta lançada pela Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM), a 31 de março, preparada de forma colaborativa com as organizações-membro, com o título “Comunicado: Violência Sexual e Impunidade: O crime de Loures”, representou um grito coletivo de indignação, revolta e exigência de justiça face ao chocante caso de violação, gravação e posterior disseminação da gravação da violação de uma adolescente de 16 anos, em Loures, alegadamente cometida por três influencers com idades entre os 17 e os 19 anos.
Em duas semanas, a carta reuniu mais de 8.000 assinaturas — entre elas, 151 instituições e organizações da sociedade civil e 7.293 assinaturas individuais.
Muitas foram as vozes que se uniram às exigências concretas deste apelo à ação colectiva: formação especializada para magistradas e magistrados, reforço das medidas de proteção às vítimas, a constituição de equipas de profissionais altamente especializadas na área da violência sexual, a investigação e responsabilização de todas as pessoas que partilham, difundem ou visualizam as imagens sem as denunciarem, atuando como agentes e cúmplices da perpetuação do crime, a responsabilização das plataformas digitais, o reconhecimento da violência sexual baseada em imagens como crimes contra a liberdade sexual, e um compromisso firme com os Direitos Humanos das Mulheres e Raparigas.
A iniciativa representa uma crítica contundente à forma como o sistema judicial português lida com crimes de violência sexual, especialmente quando cometidos contra mulheres e raparigas, o que reflete falhas estruturais na proteção das vítimas e sobreviventes e uma menorização destes crimes, transmitindo uma mensagem perigosa de impunidade e permissividade face à violência sexual.
A ineficácia das medidas aplicadas refletiu-se, aliás, na conduta dos próprios arguidos, que continuaram a utilizar as redes sociais, monetizando a sua exposição mediática pela disseminação do crime e atentando contra a dignidade da vítima-sobrevivente. Perante esta realidade, o manifesto exigiu a suspensão imediata do acesso dos suspeitos às redes sociais, impedindo que continuem a instrumentalizar o crime e a expor a vítima, bem como o reforço urgente das medidas de coação, de forma a assegurar a proteção efetiva da vítima e a segurança de todas as pessoas envolvidas.
A ampla cobertura mediática de que a carta foi alvo permitiu trazer também para o centro do debate público um dos aspetos mais proeminentes deste caso: a sua dimensão digital. Para além da violação em si, foram denunciadas a gravação e a disseminação das imagens do crime, configurando múltiplos outros crimes adicionais. A crítica estendeu-se ainda às plataformas digitais, que continuam a permitir a partilha, circulação e visualização de conteúdos criminosos.
A força da iniciativa foi tal que motivou uma resposta pública pouco usual do próprio Tribunal de Loures, numa tentativa de justificar a decisão de não aplicar, como medida de coação, prisão preventiva aos três arguidos. Em comunicado, o tribunal considerou a libertação “adequada”, alegando que os jovens não tinham antecedentes criminais e que não existia risco de fuga ou continuação da atividade criminosa. Esta posição foi, no entanto, amplamente contestada por todas as partes signatárias, que denunciaram a normalização da violência sexual e o desfasamento entre a decisão judicial e os compromissos assumidos por Portugal no domínio dos Direitos Humanos. A intervenção do tribunal só veio reforçar o impacto da carta aberta, ao evidenciar a pressão social e institucional gerada por esta ação coletiva.
Em todas as comunicações públicas a PpDM sublinhou que este caso não é isolado, mas antes sintomático de uma cultura sistémica de violência masculina e de sexismo institucional, frequentemente tolerado por tribunais e outras instâncias de poder. A carta aberta contribuiu de forma inequívoca para o reforço do debate público sobre a violência contra mulheres e raparigas em Portugal, evidenciando a necessidade urgente de reformas no sistema judicial e de uma maior responsabilização das plataformas digitais enquanto agentes ativos no ecossistema de violência. A Plataforma e as suas organizações-membro têm conhecimento, experiências e presença territorial significativa, constituindo peças fundamentais no desenho e implementação de respostas.
Traduzindo-se numa tomada de posição política e social firme, a carta aberta da PpDM agregou múltiplas vozes em defesa da dignidade das vítimas e no apelo a um sistema judicial mais justo, informado e sensível à realidade da violência masculina contra mulheres e raparigas. Ao centrar-se na responsabilização coletiva, este movimento convocou toda a sociedade a romper o silêncio, combater a impunidade e construir uma cultura de respeito, justiça e igualdade.