Garantir os direitos humanos das mulheres no atual contexto de pandemia (COVID-19): Medidas para impedir a falência das redes de organizações de mulheres

Antes de mais, votos de saúde e solidariedade!

Estamos a viver um momento de particular dificuldade para as nossas sociedades. Milhares de pessoas infetadas, milhares de pessoas mortas, milhões de pessoas confinadas. É um momento onde o cuidado adquire particular relevo, seja individual ou coletivo. E as mulheres e as raparigas serão necessariamente sobrecarregadas com os cuidados a terceiras pessoas e com as tarefas domésticas.

Sabemos que esta pandemia afetará principalmente as mulheres e raparigas em situação de particular vulnerabilidade: aquelas que já estão doentes, aquelas que não têm um lar seguro, aquelas que trabalham em hospitais prestando serviços essenciais de limpeza, aquelas que estão a tentar sustentar famílias em situações de precariedade e insegurança económica, ou as mais idosas, particularmente aquelas que poderão ficar ainda mais isoladas pelo condicionamento das deslocações.

É também um momento estimado para que a violência em relações de intimidade adquire dinâmicas específicas que necessitamos desde logo acautelar. As mulheres e raparigas que vivem situações de violência nas relações de intimidade, por via do confinamento em casa, ficarão expostas a um perigo cada vez maior – pois, como sabemos, a casa é o espaço mais perigoso para as mulheres em todo o mundo.

Precisamos garantir a sobrevivência e a segurança das mulheres e raparigas!

Precisamos impedir a falência das redes de organizações de mulheres!

A pandemia da COVID-19, além dos seus consabidos impactos globais, é uma ameaça existencial para milhares de organizações feministas em Portugal e no Mundo. Muitas são pequenas organizações de terreno que prestam serviços essenciais na defesa dos direitos humanos das mulheres e raparigas, incluindo a prestação de serviços diretos às mulheres e raparigas vítimas da violência masculina.

Como feministas, sabemos que as mulheres e raparigas estarão particularmente vulneráveis e serão particularmente penalizadas com esta situação e é urgente garantir o reconhecimento desta dimensão na resposta pública.

As organizações de mulheres precisam garantir que o apoio do Estado seja reforçado! Para tal enviámos uma carta ao Primeiro Ministro e ao Ministro das Finanças exigindo a implementação de medidas indispensáveis para mitigar os impactos da pandemia COVID-19 nas organizações de mulheres. Estas são as medidas:

  1. Garantir que as organizações de mulheres que prestam serviços no âmbito da Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica[1] – casas de abrigo, acolhimento de emergência, centros de atendimento especializado para mulheres e crianças vítimas de violência em relações de intimidade e de violência sexual, entre outros -, ou que prestam serviços de apoio a vítimas de outras formas de violência masculina como o tráfico de crianças[2] ou às mulheres na prostituição[3], não vejam interrompidos os compromissos de financiamento que o Estado celebrou com elas, através de Cartas de Compromissos, Despachos ou outras modalidades. Esta garantia é essencial para que estas organizações possam continuar a trabalhar 24/24h nas respostas às situações de violência que, tudo indica, irão aumentar neste período.
  2. Assegurar que eventuais medidas de restrição de deslocações não se aplicam a mulheres/raparigas que necessitem de casas de abrigo e outros serviços especializados, nem às profissionais que as apoiam nos serviços.
  3. Assegurar que não se verificam atrasos nos pagamentos no âmbito da Pequena Subvenção às Organizações de Mulheres no quadro do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 246/98, de 11 de agosto.
  4. Reforço da rede de apoio da Segurança Social às famílias monoparentais e às mulheres idosas que vivem sós.
  5. Assegurar que durante um período de três meses as organizações de mulheres não sejam obrigadas ao pagamento de impostos e de contribuições ao Estado, considerando os atrasos que já se verificam nas transferências por parte do Estado e que poderão ser ainda maiores no período que se avizinha. Esta medida visa assegurar que a geralmente frágil situação económica destas organizações não se deteriore ao ponto de obrigar ao despedimento de outras mulheres e raparigas com as quais trabalham. Esta medida é particularmente relevante num momento em que se verifica uma substancial diminuição das receitas dos Jogos Sociais, de onde provém, como é sabido, a maioria do financiamento que o Estado contratualizou com estas organizações. Esta desobrigação não deve ter qualquer impacto ao nível da certidão de não dívidas às Finanças e à Segurança Social das organizações de mulheres e, por conseguinte, não ser impeditiva do acesso aos reembolsos de despesas inscritas em projetos cofinanciados por fundos europeus.
  6. Facilitar o pagamento de despesa em projetos cofinanciados por fundos europeus, alterando temporariamente o mecanismo de reembolsos para um mecanismo de adiantamentos, fazendo-se o acerto a que houver lugar em sede de saldo final.
  7. Tal como previsto para as PME, disponibilizar linha de crédito de apoio à tesouraria das organizações de mulheres com um período de carência até ao final do ano, e garantindo que esses valores possam ser amortizados até quatro anos sem cobrança de juros.
  8. Após o estado de emergência, garantir que os compromissos assumidos e os projetos cofinanciados possam ser submetidos a pedidos de alterações (temporais, de atividades, abrangência territorial, etc.) através de um mecanismo flexível e expedito de aprovação por parte da entidade governamental e/ou autoridade de gestão em relação aos procedimentos e prazos fixados atualmente.
  9. Incluir em Orçamento do Estado para 2021 – ou em eventual Orçamento do Estado retificativo ainda em 2020 – o apoio financeiro às organizações de mulheres em termos semelhantes ao que ocorre com o apoio financeiro às Fundações, por forma a pôr termo ao financiamento volátil das organizações de mulheres em Portugal através das receitas dos Jogos Sociais.

Estamos convictas que o nosso Governo será responsável e tudo fará para assegurar a existência das organizações de mulheres durante e após esta pandemia global.

Descarregue aqui o comunicado à imprensa.

 

[1] Como a AMCV (Grande Lisboa), CooLabora (Covilhã), Associação Mulher Séc. XXI (Leiria), Associação Ser Mulher (Évora), Associação Projecto Criar (Porto), Cooperativa SEIES (Setúbal)

[2] Como a Akto – Direitos Humanos e Democracia (Coimbra)

[3] Como a Associação O Ninho

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