CSW64: Declaração política e participação da delegação da PpDM na ONU

CSW64: Declaração política adotada

A 9 de março de 2020 foi adotada a Declaração política pelos Estados Membros das Nações Unidas. Embora a 64ª Sessão da Comissão sobre o Estatuto das Mulheres (CSW) tenha sido cancelada devido à pandemia em torno da Covid-19 (conforme nos posicionámos em comunicado à imprensa), realizou-se uma reunião processual para a adoção da Declaração política e do programa plurianual da CSW, para cuja negociação a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, na qualidade de Conselheira, contribuiu junto do Estado Português, bem como junto da Missão da UE nas Nações Unidas através do Lobby Europeu das Mulheres.

25 anos após a IVª Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Pequim em 1995 – onde foi afirmado que “Os direitos das mulheres são direitos humanos e os direitos humanos são direitos das mulheres” – líderes mundiais comprometeram-se a intensificar os esforços para implementar em pleno a Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim, ainda hoje considerada como o programa mais visionário para a realização dos direitos humanos das mulheres e raparigas.

“25 anos depois de Pequim, reconhecemos que o progresso nos direitos das mulheres não foi longe nem suficientemente rápido. Estamos em 2020, mas nenhum país alcançou a igualdade entre mulheres e homens, e as mulheres continuam a estar sub-representadas em lugares de tomada de decisão. Hoje, os Estados-Membros reafirmaram a Plataforma de Ação de Pequim, o progresso e as lacunas. Mulheres e meninas responsabilizarão os Estados Membros enquanto trabalhamos juntas/os para alcançar a verdadeira e duradoura igualdade e o pleno gozo dos direitos humanos.” Phumzile Mlambo-Ngcuka, Diretora executiva da UNWOMEN

Reafirmando a vontade política para agir, as e os líderes reconheceram a existência de persistentes lacunas e identificaram novos desafios, nomeadamente:

  • Garantir o direito à educação para todas as mulheres e raparigas, em particular em áreas onde estão sub-representadas, como as STEM (Science, Technology, Engineer and Mathematics);
  • Garantir a plena e igual participação, representação e liderança das mulheres em todos os níveis e em todas as esferas da sociedade;
  • Garantir o empoderamento económico das mulheres, entre outros o acesso ao trabalho decente, remuneração igual, acesso a proteção social e ao crédito;
  • Combater a partilha desigual dos cuidados não pagos e do trabalho doméstico de mulheres e raparigas;
  • Combater o efeito desproporcional das mudanças climáticas e dos desastres naturais sobre mulheres e raparigas;
  • Acabar com todas as formas de violência masculina e práticas tradicionais nefastas contra todas as mulheres e raparigas;
  • Proteger as mulheres e raparigas em contextos de conflitos armados e garantir a participação das mulheres nos processos de paz e de negociação;
  • Garantir o direito à saúde de mulheres e raparigas, com ênfase na cobertura universal de saúde;
  • Combater a fome e a desnutrição entre mulheres e raparigas.

Foram também sublinhados os meios específicos necessários para enfrentar as lacunas e os desafios, nomeadamente: eliminar todas as leis discriminatórias; eliminar as barreiras estruturais, normas sociais discriminatórias e estereótipos de género, inclusive nos media; formalizar compromissos para a realização da igualdade entre mulheres e homens, nomeadamente através do financiamento adequado; fortalecer as instituições com responsabilidade na promoção da igualdade entre mulheres e homens; aproveitar o potencial da tecnologia e inovação para melhorar a vida das mulheres e raparigas; recolher, analisar e usar regularmente estatísticas desagregadas por sexo; e fortalecer a cooperação internacional rumo à realização da igualdade entre mulheres e homens.

A Declaração também reafirma que a igualdade entre mulheres e homens e o empoderamento de todas as mulheres e raparigas é uma contribuição essencial para a concretização de todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Descarregue a Declaração Política adotada.

No contexto da 64ª sessão da CSW, António Guterres, Secretário-Geral da ONU, apresentou o seu relatório Review and appraisal of the implementation of the Beijing Declaration and Platform for Action and the outcomes of the twenty-third special session of the General Assembly, baseado num extenso e participativo exercício de avaliação dos direitos das mulheres, combinado com dados e análises globais. 171 Governos apresentaram relatórios nacionais (entre os quais Portugal) e centenas de feministas e ativistas da sociedade civil contribuíram para as análises nacionais e regionais (entre as quais a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, conforme noticiámos aqui), bem como para a Declaração política. Com base no relatório do Secretário-Geral da ONU, a ONU Mulheres publicou o relatório Review 25 Years After Beijing Report.

Lobby Europeu das Mulheres (LEM): Relatório 25 years of the Beijing Declaration and Platform for Action (1995-2020): THE TIME TO DELIVER IS NOW!

25 anos após a adoção da Plataforma de Ação de Pequim, o Lobby Europeu das Mulheres publicou um relatório com uma avaliação dos progressos alcançados pela União Europeia nos últimos 5 anos relativamente a algumas das áreas críticas da Plataforma de Ação de Pequim (PAP), com os contributos e o exemplo dos trabalhos dos membros, entre os quais a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres.

Relembrando o progresso realizado até ao momento, destacam-se áreas em que ainda persistem lacunas na implementação da PAP: mulheres no poder e na tomada de decisão; mecanismos institucionais para o progresso das mulheres; eliminar a violência masculina contra mulheres e raparigas; e um modelo económico patriarcal que deve ser revisto à luza da economia feminista. Destacam-se enquanto desafios atuais, emergentes e que persistirão após 2020: a diminuição do espaço de intervenção política e do financiamento para as organizações de mulheres; o impacto da digitalização e das mudanças climáticas; e os desafios enfrentados pelas mulheres e raparigas migrantes e refugiadas.

Enquanto se celebra a PAP e acolhemos uma nova geração de feministas no movimento das mulheres, também se celebra o trabalho inestimável das feministas que integram o movimento, muitas das quais resistentes e resilientes perante contextos políticos desafiadores. Juntas, apela-se à UE para:

  • Adotar legislação vinculativa sobre prevenção e combate a todas as formas de violência masculina contra mulheres e raparigas, online e offline, incluindo contra a exploração sexual;
  • Adotar um “Care Deal for Europe” para enfrentar as persistentes desigualdades sociais e económicas com que as mulheres se deparam e implementar medidas vinculativas para combater as disparidades nos ganhos, nas pensões e na pobreza; e
  • Integrar a perspetiva da igualdade entre mulheres e homens em todas as políticas da UE, projetos e programas financiados, e aumentar os recursos e o financiamento sustentável das organizações de mulheres dentro e fora da UE.

Reunião com o Secretário-Geral das Nações Unidas António Guterres

Na sequência de solicitação de reunião em carta conjunta pelo Lobby Europeu das Mulheres, Vice-Presidente Ana Sofia Fernandes – também Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres,  e SI Federação Europeia, Vice-Presidente Rita Nogueira Ramos, a 11 de março de 2020 uma delegação do Lobby Europeu das Mulheres, da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres e da SI Federação Europeia reuniu com o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, com as presenças de Ana Sofia Fernandes, Mary Collins, Alexandra Silva e Hafdís Karsdóttir (em representação de Rita Nogueira Ramos).

Foram abordadas 3 questões:

  • A redução do espaço de intervenção da sociedade civil das mulheres, incluindo o retrocesso na linguagem acordada pelas Nações Unidas quanto à discriminação com base no sexo e o consequente risco de diluição do trabalho para alcançar a igualdade entre mulheres e homens e de reversão dos direitos humanos das mulheres e raparigas para uma era pré-CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres) e mesmo para uma era pré-Declaração Universal dos Direitos Humanos;
  • A recente Estratégia da UE para a igualdade entre mulheres e homens (2020-2025);
  • A iniciativa ONU/UE para eliminar a violência contra mulheres e meninas até 2030 – Spotlight Iniciative, de cujo grupo de referência mundial faz parte Ana Sofia Fernandes.

Nesta reunião foi manifestada preocupação pelo claro retrocesso no uso de linguagem acordada pelas Nações Unidas, nomeadamente em relação à CEDAW e à Plataforma de Ação de Pequim, tendo sido dado o exemplo da campanha da UNWOMEN “Twelve small actions with big impact for Generation Equality”, nomeadamente a 3ª ação!

Foi salientado que defender a não discriminação com base em vários fundamentos e alcançar a igualdade entre homens e mulheres são duas questões igualmente relevantes e importantes, mas distintas. Como organizações de direitos das mulheres, sentimos que a tendência cada vez maior de substituir o “sexo” pela “fluidez de géneros”, a “rejeição do binarismo” ou a recusa na utilização de termos como “mulheres ou homens” terá um impacto muito negativo na realização dos direitos humanos das mulheres e raparigas.

Alertámos que os direitos humanos de mulheres e raparigas correm o risco de serem revertidos para uma era pré-CEDAW ou mesmo para uma era pré-Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Sabendo que “género” e “sexo” estão definidos na Recomendação Geral Nº 28 §8 da CEDAW, não podemos aceitar a substituição da palavra sexo pela palavra género: a palavra “sexo” é a referência em todas as cláusulas de não discriminação, tanto no Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, como no Sistema Regional Europeu (CoE), incluindo nos Tratados da UE e na Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

Por outro lado, alertámos que o termo ‘trabalhadoras/es do sexo’ cada vez mais surge em documentos de agências das Nações Unidas (UNAIDS, UNFPA e PNUD), desrespeitando a terminologia acordada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, que é “prostituição”, “exploração sexual” e “exploração da prostituição de outrem”– conforme a Convenção das Nações Unidas para a Supressão do Tráfico de Pessoas e a Exploração da Prostituição de Outrem, e o artigo 6º da CEDAW. Sublinhámos que tal tem um impacto negativo na luta contra a exploração sexual e nega os direitos humanos de mulheres e raparigas e das sobreviventes da exploração sexual no sistema da prostituição.

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres reforçou as preocupações relativas ao recurso cada vez mais frequente de linguagem não acordada pelas Nações Unidas, nomeadamente a que consta na página da UNWOMEN a propósito da interpelação “rejeitar o binarismo”. Algumas das sugestões propostas naquela página são positivas, mas outras constituem uma verdadeira adoção de um falso neutro no qual, na prática, o masculino é universal, implicando a supremacia dos homens sobre as mulheres como norma de linguagem padrão, o que conduz à violação, em particular, do artigo 5º(a) da CEDAW.

Tal leva-nos a supor que a terceira “pequena ação” da “Twelve small actions with big impact for Generation Equality” constante da página da UNWOMEN pode fazer parte de uma estratégia para promover a caducidade da CEDAW, mesmo que seja devido à falta de uso, e isso constitui uma violação da lei internacional.

Usar termos e palavras que não são linguagem acordada pelas Nações Unidas, na tentativa de os introduzir ao mesmo nível de vinculação que a linguagem acordada constitui, no nosso entendimento, abuso de lei, com as consequências inerentes em termos de legítima defesa institucional aos vários níveis apropriados, em face dos artigos 29º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 5º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e 5º do Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, bem como da integridade da CEDAW, que assim parece ser tacitamente revogada ou mesmo caducar de facto.

Esperamos que a ONU e, em particular, a UNWOMEN sejam as e os guardiãs/ões da CEDAW e da Plataforma de Ação de Pequim, garantindo que a linguagem acordada permaneça intacta. Como agência das Nações Unidas, acreditamos que a UNWOMEN não pode contrariar a legislação fundadora das Nações Unidas e da CEDAW, bem como o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos!

Conheça na íntegra as speaking notes do Lobby Europeu das Mulheres na reunião realizada com o Secretário Geral das Nações Unidas, bem como a análise jurídica que a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres realizou relativamente ao ítem 3 das “Twelve small actions with big impact for Generation Equality” constante da página da UNWOMEN.

LEM, Soroptimist International Europe e PpDM: juntas nas conquistas e nos desafios

 

Em preparação da reunião com o Secretário-Geral da ONU, a delegação do Lobby Europeu das Mulheres, da Soroptimist International Europe e da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres encontraram-se, tendo posteriormente reunido para reforçar a relação que existe entre as três organizações, refletir sobre os desafios e as oportunidades para os próximos tempos e, em conjunto, definir prioridades e estreitar relações em prol da realização dos direitos humanos das mulheres e raparigas em todo o Mundo.

Networking com representantes do PES Women

A 11 de março estivemos com Zita Gurmai, Presidente da Secção das Mulheres do Partido Socialista Europeu. Neste encontro partilhámos preocupações sobre o que se passa ao nível internacional e europeu, nomeadamente quanto aos desafios que se colocam às mulheres na política, às dificuldades sentidas pelas organizações de mulheres na Europa (tanto devido à diminuição do espaço de intervenção política como à redução dos financiamentos específicos para a atuação das organizações de mulheres) e a tendência de diluição da agenda política das mulheres e raparigas em detrimento de outras agendas políticas.

Reforçámos a necessidade de apostar numa Estratégia Europeia para a Igualdade entre Mulheres e Homens que seja transformadora das condições de vida das mulheres e raparigas que vivem no espaço da União Europeia.

PpDM na TV ONU em Português

Ana Sofia Fernandes, Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres e Vice-Presidente do Lobby Europeu das Mulheres, foi entrevistada pela TV ONU em Português, tendo destacado os desafios que as mulheres e raparigas enfrentam hoje resultantes, em particular, da diminuição do espaço de intervenção política das organizações de mulheres, da restrição dos financiamentos específicos ao trabalhos das organizações de mulheres, e confusão concetual relativamente aos conceitos de sexo e de género com consequências na diluição da centralidade dos direitos humanos das mulheres e raparigas e desconsideração da discriminação com base no sexo, em contradição com o Sistema Internacional de Proteção de Direitos Humanos. Em breve disponibilizaremos o acesso à entrevista.

 

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