Programa Nacional de Raparigas nas STEM para o aumento da sua participação na transformação digital
A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) esteve presente no lançamento do Programa Nacional de Raparigas nas STEM, que teve lugar no dia 30 de outubro de 2025, na Reitoria da Universidade NOVA de Lisboa, durante o evento “Mulheres em STEM e TIC: Desconstruir Estereótipos, Inspirar Futuros”
Este evento contou com a participação do Ministro Adjunto e da Reforma do Estado, Gonçalo Matias, e da Ministra da Cultura, Juventude e Desporto, Margarida Balseiro Lopes, que apresentaram o novo programa nacional dedicado à promoção de uma maior participação das raparigas nas áreas da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM).
Aprovado no mesmo dia em Conselho de Ministros, o programa tem uma ambição clara: garantir a participação plena das raparigas e mulheres na transformação digital do país, combatendo desigualdades estruturais e incentivando novas gerações de mulheres a escolherem percursos nestas áreas.
Na sua intervenção, o Ministro Adjunto e da Reforma do Estado, Gonçalo Matias, sublinhou a importância da igualdade entre mulheres e homens como fator de qualidade e de desenvolvimento económico. “Quanto menor a participação das mulheres nas STEM, maior é o gap salarial”, afirmou, acrescentando que a inclusão das mulheres é “uma condição de qualidade e não apenas de igualdade”. Ora, na perspetiva da PpDM tais afirmações simplificam uma realidade estrutural mais profunda. O diferencial salarial entre mulheres e homens não é uma consequência da ausência das mulheres nas STEM; é sobretudo resultado de discriminação sistémica, segregação profissional, desvalorização das áreas feminizadas e barreiras que impedem as mulheres de aceder a carreiras melhor remuneradas. Além disso, ao dizer que a inclusão das mulheres é “uma condição de qualidade e não apenas de igualdade”, o discurso tende a instrumentalizar a presença das mulheres como um meio para melhorar a produtividade ou a “qualidade” do setor, em vez de reconhecer a igualdade de direitos das mulheres como princípio fundamental.
Já a Ministra da Cultura, Juventude e Desporto, Margarida Balseiro Lopes, abordou algumas das questões pertinentes, embora se tenha cingido à apresentação dos três eixos estratégicos do Programa Nacional de Raparigas nas STEM, nomeadamente:
- Educação, que visa estimular desde cedo o interesse pelas áreas científicas e tecnológicas, desconstruindo estereótipos de género e capacitando docentes para abordagens mais inclusivas;
- Ensino Superior, onde se procura apoiar a inserção e permanência das mulheres em cursos e carreiras STEM, aumentando a participação de mulheres nas STEM e criando condições para o sucesso académico e profissional, nomeadamente a permanência das mulheres em profissões relacionadas com as STEM;
- Eixo Transversal, onde se prevê a criação de redes de mentoria e de embaixadoras, bem como o emblema “Raparigas nas STEM”, destinado a reconhecer empresas, organizações e entidades que promovam iniciativas alinhadas com os objetivos do programa.
Trata-se de “uma política pública de igualdade, um investimento no futuro digital e uma aposta no talento feminino”. Margarida Balseiro Lopes, Ministra da Cultura, Juventude e Desporto
Atualmente, apenas 1 em cada 4 especialistas em Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) são mulheres, e apenas 3 em cada 10 diplomadas em cursos STEM são mulheres. O programa pretende atingir os 30% de mulheres especializadas em TIC e, acima de tudo, remover obstáculos visíveis e invisíveis que continuam a limitar o potencial e as aspirações das raparigas e das mulheres.

O evento encerrou com uma conversa inspiradora entre Joana Vaz, jovem engenheira, e Luísa Ribeiro Lopes, Coordenadora Geral do INCoDe.PT, que partilharam experiências sobre os desafios e conquistas das mulheres nas áreas tecnológicas, reforçando a importância da criação de redes de apoio e mentoria entre mulheres nas STEM.
A leitura do Programa a partir das Associações de Mulheres
Apesar de saudar a criação do Programa Nacional de Raparigas nas STEM, a PpDM sublinha que qualquer política pública nesta área deve reconhecer explicitamente que o problema não reside na falta de interesse ou capacidade das raparigas, mas sim nos ambientes discriminatórios, hostis e sexualizados que continuam a marcar a experiência das mulheres nos cursos e carreiras STEM e, em particular, nas áreas das TIC. Ou seja, é urgente o combate ao sexismo instalado!!
Os dados nacionais e europeus mostram um retrocesso preocupante: há cada vez menos raparigas a ingressar nestas formações e uma diminuição das mulheres que permanecem ou progridem nas carreiras tecnológicas. Esta tendência está associada a contextos marcados por assédio sexual e moral, isolamento profissional, ausência de progressão, cultura organizacional androcêntrica e uma normalização de comportamentos sexistas que afastam as mulheres destes setores estratégicos.
A PpDM considera, por isso, que o programa só alcançará resultados se for acompanhado por medidas estruturais que acabem diretamente cm estas discriminações e desigualdades, nomeadamente:
- políticas de prevenção e combate ao assédio sexual nos estabelecimentos de ensino, laboratórios e empresas tecnológicas;
- mecanismos de responsabilização institucional quando existem práticas discriminatórias;
- incentivos de vária ordem para a criação e manutenção de ambientes académicos e profissionais seguros, inclusivos e transparentes;
- metas e monitorização públicas sobre retenção, progressão e liderança de mulheres nas STEM;
- articulação com a Estratégia Nacional para a Igualdade e no quadro da transposição da diretiva europeia relativa à violência contra as mulheres.
Sem esta abordagem estrutural, existe o risco de se reforçar a ideia de que cabe às raparigas “adaptarem-se” a contextos hostis, em vez de se transformar esses contextos. O futuro digital do país exige não apenas mais raparigas nas STEM, mas STEM livres de sexismo, discriminação e violência contra as mulheres. A PpDM reafirma que só assim será possível garantir a participação plena, segura e sustentável das mulheres na transformação digital.
