A liderança das mulheres na ação climática em destaque nos Países Baixos

Nos dias 3 e 4 de novembro de 2025, a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) participou, em Haia, no evento “Voices of Change: Women & Climate Leadership” e na 3.ª Reunião de Consórcio do projeto europeu Women in Climate, promovido pelo Lobby Europeu de Mulheres (LEM) e financiado pela União Europeia. 

 

Voices of Change: Women & Climate Leadership

O evento de Haia, realizado no dia 3 de novembro, organizado pela coordenação holandesa do LEM, Nederlandse Vrouwen Raad (NVR), reuniu decisoras políticas, investigadoras e ativistas feministas para discutir as interseções entre sexo, justiça climática e liderança transformadora e, acima de tudo, a urgência de integrar a perspetiva de género nas políticas climática

A Presidente do NVR, Sophie Witteveen, durante a sessão de abertura, destacou que, nos Países Baixos, as políticas de igualdade e de clima continuam a ser tratadas separadamente, o que invisibiliza as desigualdades estruturais entre mulheres e homens.

Sublinhou ainda a sub-representação das mulheres na formulação das políticas climáticas e a falta de consciência sobre o impacto desigual das alterações climáticas em mulheres e homens. 

Entre os exemplos apresentados:

  • as mulheres são mais afetadas pela pobreza energética e pelas desigualdades salariais;
  • têm padrões de mobilidade distintos, sendo mais dependentes dos transportes públicos e infraestruturas urbanas, que se tornam mais vulneráveis em situações de crise climática;
  • o trabalho de cuidado e o envelhecimento feminino tornam-nas particularmente expostas aos efeitos do calor extremo.

Para a Presidente do NVR é fundamental criar um mapeamento jurídico sólido que integre a perspetiva de género no desenho e implementação das políticas ambientais, garantindo que a igualdade entre mulheres e homens seja um eixo estruturante da transição ecológica.

 

Justiça climática e o papel das mulheres na sustentabilidade

A conselheira do Ministério das Finanças dos Países Baixos e copresidente da Coligação de Ministras/os das Finanças pela Ação Climática, Ralien Bekkers, apresentou uma análise poderosa sobre o impacto das desigualdades entre mulheres e homens na crise climática global.

Recordou que as mulheres são desproporcionalmente afetadas pela crise climática, destacando os seguintes dados:

  • As mulheres têm 14 vezes mais probabilidade de morrer em catástrofes climáticas;
  • Representam 80% das pessoas deslocadas por desastres ambientais (refugiadas climáticas);
  • 68% dos agregados familiares em pobreza energética na Europa são encabeçados por mulheres;
  • E, globalmente, as desigualdades económicas e laborais persistem: as mulheres recebem apenas 35% do rendimento do trabalho, apesar de trabalharem mais horas se incluirmos o trabalho não remunerado.

Railen Bekkers destacou também a profunda desigualdade na tomada de decisão global: Mais de 90% dos CEOs de grandes empresas são homens; apenas 13 de 193 governos  a nível mundial são chefiados por mulheres; os 20 principais poluidores fósseis são liderados por homens e 90% da lista de bilionários globais são homens. Para além disso, apenas um terço dos negociadores nas conferências climáticas das Nações Unidas são mulheres; e em 88% dos países do mundo, as mulheres têm direitos económicos inferiores aos dos homens.

Recordou o caso do ciclone de 1991 no Bangladesh, onde 95% das vítimas foram mulheres – reflexo direto das desigualdades estruturais (e fatais). A resposta política posterior, que passou a envolver ativamente as mulheres na preparação para desastres, resultou em reduções significativas de mortalidade e da discrepância de impacto entre mulheres e homens. 

A oradora sublinhou ainda que as mulheres jovens estão a liderar a revolução sustentável, alertando, no entanto, que a política climática deve ser pensada também nas dimensões económica, financeira e fiscal, de forma a criar mudanças estruturais e duradouras.

Assim, a oradora concluiu a sua intervenção enfatizando que as mulheres são agentes essenciais nas respostas a estes desafios. Estudos demonstram que a participação das mulheres na tomada de decisões conduz a políticas mais progressistas, com maior atenção à sustentabilidade, à redução de emissões e à proteção da natureza. No setor empresarial, verifica-se que os departamentos de sustentabilidade são frequentemente liderados por mulheres, sublinhando ainda que as mulheres tendem a adotar abordagens de investimento mais orientadas para o longo prazo e para o bem-estar coletivo, o que as torna parceiras fundamentais na construção de economias verdes, inclusivas e resilientes.

 

Ecofeminismo: Lições feministas para as crises ambientais

A filósofa Lydia Baan Hofman, membro do Conselho Científico do Clima dos Países Baixos (WKR), abordou o tema do ecofeminismo, inspirado na obra “Feminism and the Mastery of Nature” (Val Plumwood, 1993).

Apresentou uma crítica à lógica dualista da cultura ocidental: uma hierarquia entre o “P” (razão, homem, cultura, mente, civilização) e o “não-P” (natureza, mulher, corpo, primitivo, outro). Esta estrutura simbólica, explicou, legitima a dominação masculina sobre as mulheres e da humanidade sobre a natureza.

Deste modo, levou a que as presentes refletissem sobre as ligações entre a opressão das mulheres e a exploração da natureza, explicando que ambas derivam de uma lógica de dualismo profundamente enraizada na cultura ocidental: homens versus mulheres, razão versus natureza, cultura versus corpo.

Essa divisão, explicou, cria hierarquias de poder e legitima formas de dominação. Questionou como podemos superar este sistema, propondo uma reavaliação das tarefas e do cuidado – valorizando práticas de relação e sustentabilidade, muitas vezes desvalorizadas por não gerarem lucro.

Através desta análise, Lydia Hofman propôs quatro lições feministas para enfrentar a crise ambiental:

  • Reconhecer as interdependências entre pessoas e ecossistemas;
  • Compreender a interseccionalidade dos dualismos;
  • Reavaliar o que a natureza e o “não-P” têm a ensinar;
  • Reclamar identidades positivas e relacionais, libertando-nos das hierarquias de dominação.

 

Assegurar uma Transição Energética com Igualdade 

Anouk Creusen (diretora e fundadora da organização 75inQ) apresentou uma análise do 6.º Relatório de Avaliação do Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC (AR6, 2023), mostrando como as decisões climáticas atuais continuam a ser tomadas por gerações anteriores, apesar de os impactos recaírem sobretudo sobre as mais jovens.

Questionou para quem e com que propósito estamos a produzir energia, alertando que, nos Países Baixos, parte significativa da energia renovável é canalizada para data centers, em vez de responder às necessidades das pessoas comuns.

A partir do trabalho da 75inQ, organização que promove a inclusão das mulheres e outros grupos menos representados no setor energético, a oradora mostrou como a igualdade entre mulheres e homens é essencial para uma transição energética justa, lembrando que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a agenda da energia não podem ser tratados de forma isolada: a convergência entre sexo, energia, mobilidade e justiça social é essencial para uma transição eficaz.

Deste modo, a oradora propôs uma reflexão sobre a chamada “curva X” (um modelo que descreve o declínio de uma cultura ou sistema dominante à medida que uma nova cultura ou estrutura emerge e ganha força), sugerindo que esta lógica de transformação também pode ser aplicada ao feminismo e à necessidade de transformar os sistemas, não apenas as fontes energéticas, defendendo que a transição energética deve ser também uma transição social e cultural, capaz de alterar as relações de poder e de promover a igualdade e a justiça no processo de mudança.

 

Workshops 

A sessão da tarde teve início com um conjunto de workshops organizados por diferentes especialistas:

  1. “Obstáculos para as  mulheres e raparigas na ciência e na tecnologia” com Elsemieke de Jong, VHTO (associação de referência nos Países Baixos, dedicada a reduzir a desigualdade entre mulheres e homens nas áreas STEM) – sobre mulheres e raparigas no ensino STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática); 
  2. “Pegada ecológica” com Leny Snoep – van Vliet, CNV (Federação sindical holandesa) – como calcular a dimensão da pegada ecológica; 
  3. “Mulheres e gestão de água” com Marjon Lemmers, Membro da Comissão Executiva da autoridade regional de gestão da água da região de Rijnland – sobre o papel das mulheres na gestão e tecnologia da água; 
  4. “Valor acrescentado do envolvimento das cidadãs e dos cidadãos nos processos de decisão” com Aafke de Vos, do Conselho Nacional das e dos Cidadãos para o Climasobre o valor acrescentado de envolver ativamente os cidadãos nos processos de tomada de decisão.

 

O evento terminou com uma sessão plenária, liderada por Marieke Schouten, vereadora de Nieuwegein, membro do Comité das Regiões da UE e copresidente da Zero Pollution Stakeholders Platform. Durante a sua intervenção, a oradora apelou à necessidade de mudar a linguagem utilizada, sublinhando a importância de referir explicitamente as mulheres e os diferentes impactos que sobre elas recaem no contexto das alterações climáticas e das práticas políticas europeias. Defendeu que as cidades e políticas “verdes” não podem limitar-se a plantar árvores, mas devem ser pensadas de forma integrada, interseccional e intergeracional, incorporando as experiências reais das mulheres e raparigas.

Marieke Schouten alertou ainda para a onda de conservadorismo que atravessa a Europa e afeta os direitos das mulheres e o avanço das políticas climáticas progressistas, reiterando o papel fundamental do que se negoceia a nível europeu, tanto na definição da linguagem como na criação de políticas estruturantes que assegurem justiça climática e igualdade entre mulheres e homens.

Deste modo, o evento “Voices of Change: Women & Climate Leadership” deixou claro que a integração da perspetiva de género na ação climática não é apenas uma questão de justiça, mas uma condição essencial para políticas públicas eficazes e transformadoras. As intervenções mostraram que, apesar das desigualdades persistentes, as mulheres e as raparigas estão na linha da frente da ação ambiental, impulsionando, com persistência,  soluções inovadoras e sustentáveis. 

 

3.ª Reunião de Consórcio Women in Climate 

No dia 4 de novembro, teve lugar a 3.ª Reunião de Consórcio do projeto Women in Climate, que contou com a participação das organizações parceiras da Bulgária, Países Baixos, Roménia, República Checa e Portugal. O encontro teve como objetivo avaliar os resultados dos eventos nacionais (já todos realizados), analisar os respetivos questionários de satisfação, aprofundar a colaboração entre as organizações envolvidas no projeto e delinear estratégias para reforçar o trabalho desenvolvido por cada uma delas. 

Esta reunião foi ainda um momento para refletir sobre as recomendações políticas que emergiram de cada um dos eventos, e que serão adaptadas do nível nacional para o nível europeu e, assim, integrarão um leque de recomendações a ser apresentado a decisoras e decisores de política relevantes. Entre os próximos passos está a preparação do evento final do projeto, agendado para junho de 2026 em Bruxelas, onde serão apresentadas as Recomendações Europeias do “Women in Climate”.

A PpDM segue comprometida com este trabalho, levando a voz das mulheres portuguesas para o centro da ação climática europeia. 

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