Mulheres e Clima: Recomendações de políticas públicas para uma transição verde justa e igualitária
As alterações climáticas representam um dos maiores desafios do nosso tempo, com impactos que vão muito além do ambiente, afetando profundamente as estruturas sociais, económicas e políticas. Ao mesmo tempo, esta crise global é também uma oportunidade única para repensar o modelo de desenvolvimento e promover uma transformação que seja, simultaneamente, ecológica e igualitária.
No âmbito do projeto europeu Women in Climate, promovido pelo Lobby Europeu das Mulheres (LEM) e coordenado em Portugal pela Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) em parceria com a Business as Nature (BasN), realizou-se em Coimbra o evento nacional “Mulheres e Clima: A voz e a ação das mulheres pela transição verde”, que reuniu especialistas, decisoras e decisores políticos, ativistas e representantes da sociedade civil. O objetivo foi refletir sobre como integrar a igualdade entre mulheres e homens no centro das políticas climáticas e ambientais.
A partir do diálogo e da partilha de experiências entre as participantes, emergiu um conjunto de recomendações para enformar políticas ao nível nacional e europeu, que refletem as prioridades e propostas concretas para uma transição ecológica justa, inclusiva e sensível ao género. Estas recomendações traçam um roteiro estratégico para assegurar que a igualdade entre mulheres e homens é uma dimensão estruturante das políticas de clima e sustentabilidade, e não apenas um elemento acessório.
Para assinalar o início de dois dias dedicados às mulheres e à igualdade entre mulheres e homens na COP30, a PpDM apresenta as suas recomendações nacionais, delineando caminhos concretos para uma transição verde justa, inclusiva e sensível ao género.
Integração Institucional
Um dos eixos fundamentais das recomendações diz respeito à integração institucional da perspetiva de género nas políticas climáticas. Propõe-se que o mainstreaming de género seja considerado um elemento obrigatório em todos os níveis de planeamento e decisão, desde o Pacto Ecológico Europeu até aos planos nacionais para o clima. Este princípio deve traduzir-se em mecanismos concretos, como a obrigatoriedade de avaliações de impacto de género em todas as políticas, planos e fundos relacionados com o clima e a energia, à semelhança do que já acontece com as avaliações de impacto ambiental.
Defende-se igualmente a aplicação das leis da paridade em todos os órgãos de decisão política e administrativa que tratem de questões ambientais e climáticas, assegurando uma representação equilibrada entre mulheres e homens. Para apoiar esta integração efetiva, recomenda-se o estabelecimento de diretrizes padronizadas para a recolha e publicação de dados desagregados por sexo, essenciais para fundamentar decisões informadas e avaliar o progresso alcançado.
As recomendações incluem ainda a criação de um sistema de classificação e acompanhamento, uma espécie de “gender tagging”, que permita monitorizar a inclusão das mulheres nos programas, fundos e instrumentos financeiros ligados à transição verde. É também proposto que a apresentação de planos de igualdade, ou estratégias equivalentes, seja uma condição obrigatória para o acesso a financiamento climático e ambiental. Finalmente, propõe-se a criação de um Observatório Mulheres e Clima, envolvendo organizações não-governamentais, universidades, administração pública e setor privado, com a missão de produzir dados, promover investigação aplicada e assegurar que todas as políticas e investimentos climáticos são concebidos e avaliados com uma perspetiva de género.
Participação e Representação
A participação das mulheres na ação climática é um imperativo democrático. As recomendações sublinham a importância de garantir a paridade na definição das políticas públicas de clima e sustentabilidade, assegurando que mulheres de zonas rurais e comunidades em situação de vulnerabilidade têm uma presença efetiva nos conselhos, comités e órgãos de decisão, desde o nível local até às instituições europeias.
Para além da paridade, defende-se o estabelecimento de mecanismos obrigatórios de consulta às organizações de direitos das mulheres na formulação, implementação e monitorização das políticas climáticas e energéticas. O reforço de capacidades é igualmente central: recomenda-se a implementação de programas de mentoria e formação que promovam a liderança feminina nos setores verdes, como as energias renováveis, a mobilidade sustentável e a economia circular, bem como o incentivo ao envolvimento de jovens mulheres, a partir dos 15 anos, em processos de decisão e iniciativas de formação sobre políticas climáticas.
Financiamento, Emprego e Economia Verde
As políticas de financiamento e emprego são determinantes para assegurar que a transição ecológica é também uma transição justa. As recomendações apontam para a integração sistemática da orçamentação sensível ao género em todos os mecanismos de financiamento climático, garantindo que os recursos públicos são planeados, executados e avaliados tendo em conta os impactos diferenciados em mulheres e homens.
Propõe-se a criação de linhas de financiamento e fundos verdes especificamente destinados a projetos liderados por mulheres e a organizações de mulheres, bem como o estabelecimento de incentivos fiscais e apoios financeiros para famílias chefiadas por mulheres e para empresas verdes que implementem políticas sólidas de igualdade entre mulheres e homens. As recomendações reforçam ainda a necessidade de assegurar salário igual para trabalho igual ou de igual valor nos empregos verdes e de promover o acesso igualitário das mulheres a oportunidades de emprego e programas de requalificação profissional ligados à transição energética.
Outras medidas incluem a articulação entre adaptação climática e proteção social, de modo a prevenir novas desigualdades e garantir segurança socioeconómica durante as transformações estruturais em curso, e a criação de uma linha específica no Fundo para a Transição Justa dedicada ao empreendedorismo feminino e ao desenvolvimento de capacidades das mulheres na ação climática.
Educação e Formação
A educação é a base de qualquer mudança duradoura. As recomendações defendem a integração da Educação para a Sustentabilidade e para a Igualdade entre Mulheres e Homens nos currículos escolares, promovendo desde cedo uma consciência ecológica e igualitária. Sublinha-se ainda a importância de oferecer formação e oportunidades a jovens mulheres nas áreas da ciência, tecnologia, energia e sustentabilidade, incentivando o acesso a carreiras verdes.
Recomenda-se igualmente a formação de decisoras e decisores políticos, jornalistas e técnicas e técnicos sobre a interligação entre igualdade entre mulheres e homens e políticas climáticas, bem como o lançamento de programas públicos de literacia e educação para o consumo regenerativo, com módulos dedicados ao consumo responsável, regeneração ecológica e igualdade entre mulheres e homens. As recomendações incluem também a criação de bolsas de estudo e de investigação para mulheres nas áreas da ciência do clima, tecnologias limpas e inovação sustentável, e a promoção de campanhas nacionais que viabilizem o papel das mulheres na liderança climática.
Saúde, Habitação e Território
As políticas de saúde e habitação também devem refletir os impactos diferenciados das alterações climáticas. As recomendações apontam para a necessidade de integrar os efeitos climáticos na saúde das mulheres, incluindo saúde reprodutiva, menopausa, doenças crónicas e acesso à água e saneamento, nos planos nacionais de saúde, garantindo uma abordagem sensível ao género que tenha em conta as experiências reais das mulheres e raparigas.
Defende-se igualmente a promoção de políticas de habitação sustentáveis e energeticamente eficientes que deem prioridade às mulheres e famílias em situação de vulnerabilidade. No que diz respeito ao território e às comunidades, propõe-se o desenvolvimento de programas nacionais permanentes de formação e mentoria para mulheres rurais, centrados no reforço das suas capacidades técnicas, económicas e de liderança no âmbito da transição verde e justa.
As recomendações sugerem ainda a criação de uma Rede Intermunicipal de Mulheres para a Sustentabilidade Ambiental, promovendo a cooperação territorial e a partilha de boas práticas entre municípios, bem como a integração destas redes nos instrumentos de política rural e ambiental. Finalmente, recomenda-se o financiamento de projetos de regeneração territorial liderados por mulheres e a implementação de políticas de revitalização populacional que coloquem a igualdade entre mulheres e homens no centro da coesão territorial.
Monitorização e Avaliação
A concretização destas medidas exige mecanismos sólidos de monitorização e transparência. As recomendações propõem a incorporação obrigatória de dados desagregados por sexo em todos os estudos e relatórios sobre impactos climáticos, a definição de indicadores e metas específicas de género nos planos nacionais e europeus de clima e energia, e a publicação de relatórios periódicos que permitam acompanhar o progresso da integração da perspetiva de género nas políticas ambientais.
Estas recomendações nacionais resultam de um processo participativo e coletivo que reafirma a urgência de colocar as mulheres no centro da ação climática. A transição ecológica não será verdadeiramente sustentável se não for também igualitária. Garantir que as políticas climáticas respondem às desigualdades entre mulheres e homens é essencial para construir um futuro mais justo, resiliente e inclusivo. Um futuro em que as mulheres são reconhecidas como protagonistas da mudança.
