Garantir o acesso universal ao aborto na UE: uma exigência de mais de um milhão de cidadãs e cidadãos
A União Europeia está perante um momento histórico: a iniciativa de cidadania europeia (ICE) “My Voice My Choice” foi formalmente entregue à Comissão Europeia com 1 124 513 assinaturas validadas, oriundas dos 27 Estados-Membros. Esta é a primeira ICE dedicada aos direitos humanos das mulheres a ultrapassar o milhão de assinaturas, colocando os direitos sexuais e reprodutivos na agenda da Comissão Europeia com uma exigência legislativa concreta apresentada diretamente por cidadãs e cidadãos.
A iniciativa, que contou com a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) em Portugal, exige a criação de um mecanismo de financiamento europeu que assegure o acesso ao aborto legal, seguro, gratuito e acessível em toda a UE, garantindo a todas as mulheres o direito de decisão sobre o seu corpo. Esta proposta surge como resposta urgente às desigualdades gritantes no acesso ao aborto: mais de 20 milhões de mulheres na Europa não têm hoje garantias de um aborto seguro e acessível, realidade que ameaça a sua saúde física, psicológica e económica [1].
Direitos sob ataque, respostas urgentes
Em países como Malta, Croácia e Polónia, leis altamente restritivas tornam quase impossível o acesso ao aborto; em outros, como Portugal, a objeção de consciência generalizada, a falta de recursos no Serviço Nacional de Saúde e períodos de reflexão obrigatórios criam barreiras que atrasam ou inviabilizam a interrupção voluntária da gravidez (IVG).
A PpDM tem alertado repetidamente para estas falhas estruturais, reafirmando que o aborto seguro é um direito humano e uma questão de justiça social. Qualquer atraso ou restrição imposta ao acesso à IVG constitui uma forma de violência institucional e um ataque direto à autonomia das mulheres.A Europa chamada a agir
Com a entrega oficial da petição, a Comissão Europeia inicia agora as etapas formais previstas: uma reunião com as promotoras, uma audição no Parlamento Europeu e, nos próximos seis meses, uma resposta oficial que pode incluir propostas legislativas concretas para criar um mecanismo europeu de financiamento. A própria Comissão reconheceu a importância desta discussão, abrindo espaço para um diálogo detalhado; este é um sinal inequívoco de que os direitos sexuais e reprodutivos estão a entrar no centro da agenda política europeia.
Este processo decorre num contexto preocupante, em que forças conservadoras e contra os direitos humanos das mulheres avançam em vários países, ameaçando conquistas fundamentais. Por isso, o compromisso europeu em torno da ICE My Voice My Choice é mais do que uma questão de saúde: é uma afirmação política de que a Europa deve ser um espaço seguro para os direitos das mulheres e das raparigas.
A força da participação cidadã
O impacto desta iniciativa também demonstra que a mobilização cidadã pode influenciar agendas políticas ao mais alto nível. Em apenas alguns meses, uma rede de mais de 200 organizações de direitos das mulheres, de saúde, sindicatos e movimentos sociais conseguiu unir mais de 1 milhão de pessoas em torno de um objetivo comum: garantir liberdade, autonomia e dignidade às mulheres da Europa.
Na PpDM, reiteramos: a decisão de continuar ou interromper uma gravidez cabe exclusivamente a cada mulher. Nenhuma instituição, lei ou dogma tem legitimidade para impor restrições a este direito. Cabe ao Estado garantir, de forma imediata, segura e gratuita, todas as condições necessárias para que esta decisão seja tomada com autonomia, informação e proteção.
A mensagem é clara: mais de 1 milhão de vozes exigem ação. Como disse Nika Kovac, coordenadora da campanha, este é o momento de transformar palavras em políticas concretas e reconhecer que cidadãs e cidadãos são verdadeiros agentes na construção de uma Europa livre, justa e igualitária.