Ciberviolência baseada no sexo em debate nacional: PpDM apresenta resultados preliminares do estudo bE_SAFE nas reuniões regionais com a RNAVVD
Entre fevereiro e maio de 2025, a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) tem marcado presença ativa nas reuniões promovidas pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) com entidades da Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica (RNAVVD) e com Municípios, no âmbito do projeto europeu bE_SAFE– Conscientização sobre a CIBERVIOLÊNCIA e defesa de um ambiente online mais SEGURO para raparigas e mulheres.
Estas sessões, realizadas por regiões – Alentejo, Centro, Grande Lisboa, Oeste e Vale do Tejo, Península de Setúbal e, em breve, Porto e Região Norte – têm reunido profissionais de setores-chave como serviços de apoio a vítimas, justiça, forças de segurança, municípios, comunidades educativas, saúde e representantes de CPCJs, para identificar desafios, estratégias e boas práticas no combate à ciberviolência baseada no sexo, que afeta desproporcionalmente raparigas e mulheres. Algumas reuniões têm decorrido presencialmente, como a da Grande Lisboa, enquanto outras têm sido realizadas online, permitindo uma participação mais alargada. Esta combinação de formatos tem ajudado a garantir uma auscultação mais abrangente e representativa a nível nacional.
A participação da PpDM, através de Alexandra Silva, Coordenadora de Projetos e Investigação, e Diana Pinto, Técnica de Projetos, Comunicação e Campanhas, tem assumido um papel ativo e estratégico, trazendo à discussão pública conhecimento atualizado, fundamentado e crítico sobre a ciberviolência baseada no sexo. Para além de catalisar o debate, a PpDM tem partilhado resultados preliminares da investigação qualitativa realizada no âmbito do projeto. Entre os dados apresentados destacam-se as diferentes percepções e experiências de ciberviolência entre raparigas e rapazes, as formas de assédio e violência sexual online mais recorrentes, e a perpetuação de estereótipos sexistas e de género nas perceções das e dos jovens.
Com base na experiência de três edições do curso de formação acreditado para docentes “Cidadania e Segurança Online. Prevenir a Ciberviolência: bE_SAFE!” (com uma quarta edição prevista para o início do próximo ano letivo), que prevê a aplicação do Programa Educativo bE_SAFE nas escolas, a PpDM tem ainda trazido para estas reuniões um conjunto de conceitos fundamentais para a compreensão crítica da ciberviolência baseada no sexo, nomeadamente: a noção de continuum de violência sexista, a crítica à lógica de prevenção centrada nas vítimas, a identificação das estratégias de responsabilização dos agressores, e a necessidade de políticas educativas estruturadas e integradas. São também abordadas manifestações concretas da ciberviolência, como o cyberflashing, o bodyshaming, o grooming, a violência sexual com base em imagens, as manipulações sexuais digitais e a perseguição online, entre outras.
As apresentações têm incluído ainda uma reflexão crítica sobre o enquadramento legal português, assinalando os artigos relevantes do Código Penal e da Lei do Cibercrime, mas também sublinhando as lacunas existentes na resposta judicial e a urgência de tipificação autónoma da ciberviolência contra mulheres e raparigas. A participação da PpDM tem, assim, contribuído para consolidar um olhar feminista crítico, ancorado na evidência e orientado para a mudança estrutural, tanto na legislação como na prática institucional e educativa.
Ao nível do debate, as reuniões têm vindo a revelar um panorama preocupante: a vulnerabilidade crescente de crianças a partir dos 8 anos, o uso banalizado de aplicações como WhatsApp, Discord ou TikTok para práticas de controlo, humilhação, chantagem e extorsão, e o desconhecimento generalizado das famílias sobre os hábitos digitais das e dos jovens. Foram descritas situações recorrentes de partilha não consentida de imagens íntimas, acesso abusivo a contas pessoais e criação de perfis falsos – práticas frequentemente motivadas por dinâmicas de dominação sexual e controlo, que refletem padrões estruturais de desigualdade e violência com base no sexo em contexto digital. A tolerância à violência contra mulheres e raparigas, por parte de escolas, famílias e até agentes institucionais, foi outro ponto crítico: “O diretor [da escola] apagou as provas e disse que assim estava resolvido”, relatou-se numa reunião, a propósito de um incidente de violência sexual com base em imagens. Esta atitude reflete uma cultura de desresponsabilização e medo de intervenção, que compromete a eficácia da denúncia e da prevenção.
A legislação atual foi amplamente debatida nas reuniões. Várias pessoas participantes sublinharam a ausência de uma tipificação autónoma da ciberviolência baseada no sexo, defendendo a necessidade inadiável de revisão legal, em articulação com a transposição da nova Diretiva Europeia relativa ao combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica. Foi igualmente apontada a fragilidade da resposta institucional, destacando-se a falta de formação especializada nos setores da justiça, educação e intervenção social. Em particular, chamou-se a atenção para a necessidade de capacitar magistrados/as para uma aplicação eficaz da legislação existente, incluindo a Lei do Cibercrime, cujos instrumentos, como o bloqueio de conteúdos, permanecem subutilizados, em parte por desconhecimento técnico e pela falta de cooperação internacional com as plataformas digitais. A este nível, reforçou-se ainda a urgência de responsabilizar as plataformas, garantir mecanismos céleres de remoção de conteúdos abusivos e mobilizar pressão política coordenada para enfrentar um fenómeno que exige uma resposta legal, educativa e tecnológica verdadeiramente integrada.
Apesar dos inúmeros desafios identificados, emergiram propostas mobilizadoras e experiências promissoras de intervenção. Destacou-se a importância da criação e consolidação de programas de desenvolvimento de competências socioemocionais e de literacia digital, de modo a capacitar crianças e jovens na gestão das suas emoções e na utilização crítica das tecnologias. Foi amplamente sublinhada a necessidade de reforçar o papel das pessoas adultas de referência, nomeadamente mães, pais, cuidadores/as, assistentes operacionais e docentes, enquanto agentes de proteção e escuta ativa, capazes de reconhecer sinais de risco e agir precocemente. As Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJs) e as forças de segurança locais foram valorizadas como peças-chave na articulação territorial, sobretudo quando trabalham em rede com escolas, municípios e associações da sociedade civil.
Neste contexto, o projeto bE_SAFE foi amplamente reconhecido como um passo essencial na direção certa, ao vir responder, por um lado, à ausência de dados sistematizados através da sua componente de investigação, e por outro, à urgente necessidade de capacitar crianças, jovens, docentes e outros profissionais com ferramentas críticas para identificar, prevenir e enfrentar a ciberviolência com base no sexo. A abordagem integrada do projeto, que combina investigação, formação e advocacia, foi destacada como particularmente relevante face à complexidade do fenómeno e à necessidade de respostas articuladas e sustentadas.
A PpDM continuará a participar nas próximas reuniões regionais, consolidando o seu contributo para a construção do documento estratégico nacional do projeto bE_SAFE. Este documento reunirá recomendações concretas e fundamentadas para uma resposta integrada à ciberviolência com base no sexo, abrangendo propostas ao nível legislativo, educativo e institucional. Assente em evidência recolhida junto do terreno e da investigação em curso, o projeto ambiciona influenciar políticas públicas, ao nível nacional e europeu, mais eficazes e sustentadas na promoção de um ambiente digital seguro para raparigas e mulheres.
bE_SAFE – Conscientização sobre a CIBERVIOLÊNCIA e defesa de um ambiente online mais SEGURO para raparigas e mulheres é um projeto promovido pela Ombudsperson para a Igualdade de Género da República da Croácia, em parceria com a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) e a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) em Portugal, a organização CESI – Center for Education, Counselling and Research e a associação Domine na Croácia, e a organização espanhola LEM España. Cofinanciado pela União Europeia, no âmbito do Programa Cidadãos, Igualdade, Direitos e Valores (CERV-2022-DAPHNE), o projeto decorre entre março de 2023 e janeiro de 2026.