PpDM | Análise crítica ao V Plano de Ação para a Prevenção e o Combate ao Tráfico de Seres Humanos (2025–2027)
O IV Plano de Ação para a Prevenção e o Combate ao Tráfico de Seres Humanos esteve em vigor entre 2018 e 2021, tendo terminado no final de 2021. O novo V Plano de Ação apenas entrou em vigor em 2025, deixando um intervalo de cerca de três a quatro anos (2022–2024) sem um plano nacional ativo.
Esta descontinuidade é reconhecida oficialmente:
“Após a cessação da vigência do IV Plano… verificou-se uma quebra na continuidade estratégica que se visa agora retomar.”
Fonte: Governo de Portugal, Diário da República
Este vazio estratégico ocorreu num período particularmente crítico, marcado pela rápida evolução do crime digital e pelos impactos da pandemia de COVID-19 (2020–2022) sobre os sistemas sociais e as forças de segurança. A ausência de um plano ativo terá prejudicado a coordenação nacional, a monitorização de casos e os mecanismos de apoio às vítimas. Esta lacuna revela uma postura reativa, em vez de uma visão estratégica e preventiva no combate ao tráfico de seres humanos.
V Plano de Ação para a Prevenção e o Combate ao Tráfico de Seres Humanos
Destaque positivo
O V Plano apresenta algumas iniciativas relevantes:
a criação de 10 unidades integradas de fronteira e intervenção, com equipas da PSP e da GNR.
a expansão da rede de acolhimento e proteção, incluindo duas novas estruturas de autonomização de vítimas previstas para 2026.
e a formação profissional e capacitação digital para profissionais de primeira linha (forças de segurança, profissionais de saúde), com foco na deteção e combate de redes de tráfico online.
Estas medidas representam avanços importantes, mas dependem de cooperação interinstitucional, vontade política e financiamento consistente.
Financiamento não é objetivado
O modelo de financiamento e os indicadores de monitorização levantam preocupações. Por exemplo, a Medida 211 avalia investimento em serviços de apoio às vítimas apenas pelo número de protocolos assinados e vagas disponíveis.
Estes indicadores são quantitativos, não refletem a qualidade do apoio nem o impacto real na vida das vítimas. E bem sabemos como a ausência de métricas qualitativas mascara falhas estruturais na resposta.
É um Plano neutro em função do sexo
Uma das maiores fragilidades do Plano é a sua abordagem neutra em função do sexo das vítimas, nomeadamente:
Ignora-se que mulheres e raparigas são as principais vítimas de tráfico, sobretudo para fins de exploração sexual.
Não há medidas específicas para prevenção ou apoio a vítimas mulheres e crianças, o que desconsidera desigualdades estruturais e riscos interseccionais.
Sem reconhecer a dimensão de género do tráfico, a eficácia das políticas fica seriamente comprometida.
O papel que a Sociedade Civil devia desempenhar
Apesar de prever indicadores, a eficácia do Plano dependerá de:
Relatórios de progresso publicados regularmente,
Avaliações independentes,
e, acima de tudo, da participação ativa da sociedade civil, com destaque para organizações de mulheres com experiência no terreno.
Sem transparência e envolvimento direto da sociedade civil, as metas ambiciosas do Plano podem ficar apenas no papel.
O V Plano de Ação apresenta propostas importantes para reforçar o combate ao tráfico de seres humanos. No entanto, a sua implementação tardia, a abordagem neutra em função do sexo e a falta de clareza nos indicadores de financiamento levantam sérias dúvidas sobre a sua eficácia.
Para garantir resultados efetivos, é essencial:
Um planeamento estratégico contínuo, envolvendo as organizações da sociedade civil no terreno,
Medidas adaptadas à realidade das mulheres e crianças,
E mecanismos robustos de monitorização com participação da sociedade civil.