Uma silhueta invejável
Num dia normal, depois de deixar o mais novo na escola, dei de caras com uma capa de revista. Uma personalidade da televisão segura uma bebé recém nascida, e manifesta vontade de voltar ao ginásio já daqui a uns dias, e segundo a revista apresenta uma silhueta invejável. E talvez por estar rodeada destas questões, através das mulheres com quem trabalho, pelas temáticas da Associação ( Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto), e como mãe e mulher que já passou por um pós-parto, este título, esta imagem, fez-me pensar. Que os mass media lidem mal com tudo o que tenha a ver com gravidez e parto de uma forma geral, salvo raras exceções, não é novidade. E agora aqui estava também o Puerpério, o período mais negligenciado desta fase, tanto culturalmente como nos cuidados de saúde a ser totalmente negado, como se não existisse. Como se o objetivo a atingir fosse que ter engravidado e parido não tivessem quase acontecido. Que pudessem ser esquecidos e ultrapassados o mais rapidamente possível. E quem ganhar esta “corrida” é que tem valor. Que a mulher recupere rapidamente o seu corpo, fique com “uma silhueta invejável”. Que mensagem passa a nossa Cultura / Sociedade sobre a forma como vê a gravidez, o parto, a maternidade, a mulher, o corpo das mulheres? Como se mede o sucesso e valor de uma mulher? Estamos a permitir às mulheres honrar os seus corpos pelo processo da gravidez e do parto porque passaram? Que permissão lhes damos para que se adaptem à vida com esta nova criança, e àquele espaço imediatamente após dar à luz? Desfrutando com calma do seu bebé, conhecendo-o, estabelecendo e fortalecendo o vínculo com este ser que é novo nas suas vidas, na sua família?
Gostava de encorajar as mulheres a serem amorosas e pacientes consigo mesmas. Que amem o seu corpo de pós-parto, compreendendo o que está a acontecer consigo mesmas. Respeitem o vosso tempo e o do bebé. Clinicamente – e talvez por isso para a sociedade em geral -, as seis semanas depois do nascimento do bebé marcam o final do período pós-parto. A razão para tal é que talvez de fora as coisas aparentem estar iguais ou quase a antes de estarmos grávidas. Mas isto não é necessariamente verdade em termos do corpo. Os lóquios param (o sangramento vaginal depois do parto); e o colo do útero e o útero voltaram ao normal. Gostava de vos convidar todos a reconsiderar tudo isto. Sendo que é 100% verdade que a gravidez e o parto não são doença não é menos verdade que precisamos de calma para “voltarmos ao mundo”.
Gostava de encorajar os media a terem cuidado e sensibilidade na forma como tratam estes temas, pelo grande alcance que possuem, e pela influência que têm em moldar a opinião pública.
As mulheres são fabulosas, geraram, carregaram e pariram uma pessoa. Isto é um feito extraordinário. E mais, conseguem alimentar esse mesmo ser. Não julguemos as mulheres elogiando-as por estarem “magras”, por “não parecer que tiveram um bebé”, valorizando a sua aparência, em vez de valorizar a experiência pela qual passaram, criando espaço para que se honrem e cuidem com respeito e apoio, admitam que a perfeição não existe e que pedir a ajuda de que possam precisar é legítimo e sensato.
Negar o pós- parto e o que este representa, o pós parto a sério, o chamado quarto trimestre, é não ter noção das profundas transformações pelas quais passa uma mulher durante a gravidez e o parto e das necessidades de um bebé mamífero.
Por isso gostava de te dizer, mãe que acabaste de parir: estás a fazer um ótimo trabalho. A tua casa pode estar de pantanas. A tua barriga continua grande. Podes ter estrias em partes do corpo onde este alargou, cresceu, abriu espaço para carregar o teu filho. E isso é maravilhoso. É o que é. Não tenhas vergonha. Tem orgulho. Podes parar, desfrutar deste tempo, do teu bebé, e da tua família.
Foquemos a nossa energia em apoiar e acolher de tal forma as mães, as famílias durante este período que um dia uma revista possa escrever: “Fulana tal, radiante com a sua nova filha. Com uma rede de suporte e uma calma invejáveis”.
Sara do Vale, Presidente da APDMGP, organização membro da PpDM.
Que lindo artigo. Parabéns.
As tais mídias que publicam esse tipo de reportagem onde “beldades” apresentam corpos perfeitos 2 semanas após o parto, deveriam de alguma forma refletir acerca de como esse tipo de matéria pode impactar negativamente algumas mulheres, causando-lhes grande sofrimento e frustração. No Brasil, há algumas campanhas para divulgação da amamentação por no mínimo 6 meses, mas, se for ver bem, notará que as mulheres apresentam peitos firmes, não possuem celulite, a barriga está “no lugar”…enfim, triste.