Remuneração igual por trabalho igual ou de igual valor

Dia Internacional pela Igualdade Salarial entre Mulheres e Homens

A 18 de setembro, assinalou-se o 1º Dia Internacional pela Igualdade Salarial entre Mulheres e Homens, uma iniciativa da EPIC, a coligação liderada pela ONU Mulheres,  OCDE e OIT em parceria com vários países*, entre os quais Portugal, a Organização Internacional de Empregadores, a Confederação Sindical Internacional, diversas entidades patronais, sindicatos e membros da sociedade civil.

Nesta data, recordamos como, em todo o mundo, a igualdade entre mulheres e homens está longe de ser alcançada, desde logo no mercado de trabalho e na vida familiar. Remuneração igual por trabalho igual ou de igual valor é um direito humano de que as mulheres de todo o mundo ainda se veem privadas. Este direito traduz-se não somente na garantia de salário igual pela realização de trabalho igual ou semelhante, mas também na valorização das profissões onde a concentração mais elevada de mulheres dita, até hoje, que sejam pior remuneradas. Reconhecido, desde 1951, pela Convenção nº100 sobre a Igualdade de Remuneração de Homens e Mulheres por Trabalho de Igual Valor, este direito vem também consagrado no artigo 119º do Tratado de Roma. Esta foi uma conquista de muitas mulheres e, particularmente de Éliane Vogel-Polsky, feminista e jurista belga que inspirou a luta das mulheres operárias nos anos 60 e fez do Direito uma arma contra a opressão. 25 anos depois da Plataforma de Ação de Pequim, este objetivo continua por realizar e é agora parte da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, estando previsto nos objetivos de desenvolvimento sustentável 5 (Igualdade de Género e Empoderamento das Mulheres e Raparigas) e 8 (Trabalho Digno e Crescimento Económico).

Mas, afinal, de que falamos quando falamos em desigualdade salarial entre mulheres e homens? Que diferenças persistem entre mulheres e homens no mercado de trabalho e quais as suas consequências? Os números esclarecem.

A estimativa global para a diferença de remuneração entre mulheres e homens é de 23%. Atualmente, por cada dólar auferido por um homem, uma mulher recebe apenas 0,77 cêntimosNa UE, as mulheres, recebem, em média, menos 16%/hora do que os homens. Quando cruzada com outras discriminações (étnico-raciais, de ordem migratória, entre outras), a desigualdade salarial aumenta substancialmente.  Em Portugal, a diferença salarial entre mulheres e homens situa-se hoje nos 14.4%, um valor acima da média dos países da OCDE onde ronda os 13%. No nosso país, em 2018, as mulheres ganharam em média menos 148,9 euros por mês, de acordo com os dados divulgados pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Até ao momento, nenhum país conseguiu pôr termo à desigualdade remuneratória que penaliza as mulheres em relação aos homens. Tanto a OIT, como a OCDE e a ONU Mulheres chamam a atenção para a lentidão dos progressos feitos nesta matéria. A este ritmo, precisaremos de mais 257 anos para, globalmente, acabarmos com esta desigualdade.

Para assinalar a data e apelar à ação, a EPIC organizou um webinarInternational Equal Pay Day 2020: Building back a better future of work by ensuring pay equity – que pode ser visto aqui.

Na conferência, discutiram-se quais as melhores estratégias para fazer avançar a igualdade salarial e a valorização do trabalho não pago, na agenda política dos países. Na Islândia, o país onde a disparidade é menor, as greves de mulheres nos anos 70 e a luta pela garantia de licenças parentais, um serviço de creches e pré-escolar e a paridade política entre mulheres e homens, revelaram-se fundamentais. A participação das mulheres nas tomadas de decisão, em todas os setores da sociedade, foi imprescindível para alcançar este resultado. Hoje, o país conta com o Equal Pay Standard, um instrumento que monitoriza e certifica as empresas do cumprimento das leis sobre igualdade salarial entre mulheres e homens. A Islândia comprometeu-se a pôr fim ao fosso remuneratório até 2022. 

Entre aqueles que se batem pela igualdade entre mulheres e homens, é consensual a necessidade de garantir a transparência salarial nas empresas e nos organismos públicos. Este é o único meio para efetivamente escrutinar e corrigir as desigualdades remuneratórias entre mulheres e homens. Assim, o ónus da prova deve estar do lado das entidades patronais, considerando a assimetria de poder entre trabalhadoras e patrões, a dificuldade em fazer denúncias e os numerosos casos de assédio moral contra mulheres. 

A igualdade entre mulheres e homens não beneficia apenas as primeiras. Pelo contrário, tal como afirmou Iris Bohnet, ela é benéfica para as empresas do ponto de vista da produtividade. Quando há igualdade na participação e representação dos dois sexos, as economias são favorecidas. O caso norueguês é paradigmático: a entrada em força das mulheres no mercado de trabalho – e não a descoberta de combustíveis fósseis – foi o trampolim para o crescimento económico do país, lembrou Kristin Lund. Extravasando uma lógica puramente economicista, a igualdade entre mulheres e homens beneficia toda a sociedade, estando intimamente ligada a indicadores de qualidade de vida, segurança, felicidade e bem-estar. Por isso mesmo, é preciso pensar os impactos da desigualdade do ponto de vista das comunidades e não somente dos indivíduos. 

O caminho que as mulheres percorrem desde a escola até ao mercado de trabalho também não pode ser ignorado. A segregação das profissões está longe de terminar. Os estereótipos de género continuam a condicionar as escolhas formativas e profissionais das mulheres e raparigas que estão subrepresentadas nas chamadas TIC e nos setores onde as  remunerações são mais elevadas.

O cenário atual não deixa margem para dúvidas: as mulheres foram as mais afetadas pela crise provocada pela COVID-19. O trabalho essencial, de linha da frente, precário e muitas vezes desprotegido é, sobretudo, realizado por mulheres. Elas foram e continuarão a ser as mais afetadas pela crise económica uma vez que estão sobrerrepresentadas nos setores mais atingidos como o turismo, a hotelaria, o comércio a retalho e a restauração. Os setores mais feminizados são pior pagos, mesmo quando o valor social do que produzem é equiparável ao de outros setores. De acordo com a OIT, a crise atual já destruiu 400 milhões de empregos a nível mundial.  As mulheres estão sob maior risco de despedimento, insegurança económica e precarização da sua situação profissional. Isto, por sua vez, traduz-se em pensões mais baixas, por comparação aos homens. Como lembrou Nadia Soubat, “a luta pela igualdade salarial é também a luta pela erradicação da pobreza no mundo”. Em Portugal, as disparidades salariais entre mulheres e homens aumentaram consideravelmente entre 2010 e 2016, durante o período da crise económica. Nos últimos 20 anos, os países da OCDE avançaram uns escassos 5% no sentido da igualdade salarial entre mulheres e homens. O momento atual coloca em causa o progresso modesto dos últimos anos, em risco de ser totalmente revertido se os impactos da crise não merecerem uma resposta económica e social sensível às questões de género.

Por outro lado, tal como afirmava Éliane Vogel-Polsky “não é possível falar em desigualdades salariais se acharmos que elas dizem respeito apenas aos salários”. A desigualdade que penaliza as mulheres no mercado de trabalho está intimamente ligada aos papéis de género que lhes são impostos nas suas vidas pessoais e familiares. As mulheres são desproporcionalmente obrigadas a assumir o papel de cuidadoras. O trabalho de cuidado não remunerado que elas levam a cabo é quase o dobro daquele que é realizado pelos homens nos países da OCDE.  Ao nível das tarefas doméstica, em Portugal, a mulher efetua, em média, 74% das tarefas domésticas, enquanto o homem com quem vive efetua, em média, 23%. A COVID-19 veio aumentar substancialmente a desproporção do trabalho não pago que as mulheres realizam. Com escolas, infantários e outros serviços encerrados, as mulheres viram ser aumentadas as suas responsabilidades de cuidado de crianças, idosos e outras pessoas em situação de dependência. É fundamental que o Estado, os homens e a restante sociedade partilhem das responsabilidades associadas ao cuidado que deve ser valorizado e reconhecido.

A mudança deve ser sistémica e implica oportunidade política, coragem e determinação. Muitos países avançaram já com legislação neste sentido. Contudo, a implementação e o cumprimento das recomendações têm falhado. 

Em Portugal, a  Lei da Igualdade Salarial entre Mulheres e Homens foi aprovada em 2018. Contudo, a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) defende que o  âmbito desta lei deve ser alargado a todas as empresas em Portugal, considerando que a maioria são micro, pequenas e médias empresas e que é nessas que a maioria das mulheres trabalha. Além disso, deviam ser incluídos procedimentos vinculativos para a articulação entre a vida profissional e familiar, tal como o art.º. 59º da Constituição preconiza na sua alínea b) e a Carta dos Direitos Fundamentais da UE veio reforçar. Comité Europeu dos Direitos Sociais, entidade responsável pela monitorização do cumprimento da Carta Social Europeia, entende que Portugal está a violar o Artigo 20º da Carta, uma vez que os progressos no domínio da igualdade salarial não têm sido suficientes. 

Além das alterações legislativas e da monitorização da sua implementação, é preciso mudar práticas e mentalidades. Isto implica a coordenação das várias entidades envolvidas, Estado, sociedade civil organizada, entidades patronais, sindicais e indivíduos. 

Em Portugal, o Dia Nacional da Igualdade Salarial assinala-se este ano a 2 de novembro. Esta é a data em que simbolicamente, tendo em conta a diferença salarial existente, as mulheres deixam de ser remuneradas pelo seu trabalho.


*Da EPIC fazem também parte Canadá, Egito, Islândia, Jordânia, Nova Zelândia, Panamá, África do Sul, Suíça, Austrália, França, Alemanha, Israel, República da Coreia, Peru e Reino Unido.

Descobre mais sobre Éliana Vogel-Polsky e luta pelo fim da desigualdade salarial na Europa aqui.

Informa-te aqui sobre a construção de uma economia do cuidado que garanta às mulheres e aos homens o direito a um trabalho dignamente remunerado e compatível com as suas responsabilidades cuidadoras.

 

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