Posição da PpDM: Formação do Governo e recursos para a igualdade entre mulheres e homens

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) no contexto dos resultados das recentes eleições legislativas e decorrentes responsabilidades, manifestou em carta dirigida ao SG do PS, em 11 de fevereiro, as suas reinvindicações.

1 – Composição paritária do Governo

A Plataforma regista com muita preocupação o aumento de 61% para 64% da sobre-representação masculina na nova composição da Assembleia da República e o concomitante agravamento da disparidade entre mulheres e homens no processo de decisão legislativa, o que evidencia a insuficiência da lei existente para garantir um limiar mínimo de paridade pela ineficácia de normas que não prevêem i) medidas punitivas efectivamente dissuasoras e ii) a efetiva paridade ao nível dos resultados.

Esta situação é tanto mais grave quando a representação de partidos com políticas de promoção da igualdade entre mulheres e homens diminuiu e a representação de partidos com discursos sexistas e misóginos aumentou, o que constitui uma crescente ameaça aos direitos das mulheres.

Em face desta situação, mais imperioso se torna garantir que o novo Governo tenha uma composição paritária para que a visão, os direitos, as necessidades, e os interesses das mulheres logrem a representação a que têm direito e também pelo seu simbolismo pedagógico num País em que todos os dias as mulheres se confrontam com discriminações estruturais que resultam em femicídio, violência sexista, empobrecimento e desrespeito pelos seus direitos.

Recorda-se que está em causa o cumprimento conjugado de um conjunto de disposições constitucionais que visam a não-discriminação e a realização da igualdade, designadamente as que estabelecem a promoção da igualdade entre mulheres e homens como tarefa fundamental do Estado – artigo 9° alínea h) – e a participação direta e ativa de cidadãs e cidadãos na vida política como condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático.

2 – Ministério autónomo para a igualdade entre mulheres e homens

A igualdade entre mulheres e homens tem como pressuposto básico a inexistência de discriminação estrutural em função do sexo que afeta negativamente a humanidade inteira dada a persistência de estereótipos – em graus variáveis – sobre os “papéis sociais” reconhecidos, presumidos, ditos e aplicados como sendo “próprios” quer de mulheres quer de homens.

Em Portugal, apesar da lei aplicável e dos progressos alcançados, as assimetrias de facto ainda evidenciadas em matéria de direitos civis, económicos, sociais, culturais e políticos, designadamente quanto a autonomia individual e a liberdade – incluindo para a escolha da atividade profissional e para a progressão na carreira, para a partilha efetiva de cuidados à família e do trabalho não pago de apoio à vida familiar, para a participação política – ainda resultam da anuência pela sociedade do “estatuto desigual de homens e de mulheres”, independentemente do cruzamento com quaisquer outros fatores de discriminação e da respetiva importância.

O nexo de causalidade cultural e social que invocamos tem sido evidenciado, em geral, nos efeitos agravados sobre as mulheres da situação decorrente da pandemia COVID 19[i] e, no nosso país em particular, também na quebra de natalidade[ii]. O que, em nossa opinião e dada a conjugação rara de condições favoráveis da maioria que acaba de ganhar as eleições, torna indispensável uma resposta política consequente, efetiva, transformadora, e por isso com autonomia para intervenções consistentes quer de ação positiva quer de transversalidade, com poder político e financeiro, com tempo e recursos adequados a uma dedicação exclusiva e com visibilidade permanente junto da opinião pública. Ou seja, a institucionalização de um Ministério para a Promoção da Igualdade entre Mulheres e Homens. Que, como atrás referido, é dever fundamental do Estado português, nos termos da Constituição.

[i] As mulheres perfizeram 80% das pessoas que receberam o apoio excecional à família a fim de ficarem em casa para cuidar de crianças até aos 12 anos; 77% do apoio a discentes com idade até aos 16 anos durante o encerramento das escolas foi dado pelas mães face a 41% pelos pais. EIGE (2021) Gender equality and the socio-economic impact of the COVID19 pandemic. https://eige.europa.eu/publications/gender-equality-and-socio-economic-impact-covid-19-pandemic

[ii] Os dados recentemente divulgados do Inquérito à Fecundidade de 2019 (INE,2020) realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) indicavam que cerca de 42% das mulheres entre os 18 e os 49 anos não tinham filhas/os; o mesmo acontecia para quase 54% dos homens entre os 18 e os 54 anos (INE,2020). A redução da natalidade em Portugal deve-se a: i) aumento da idade das mulheres que têm filhas/os e, em particular, o adiamento da decisão de ter o primeiro filho ou filha (Mendes, 2018; INE, 2020). Assim, quase metade das mulheres (45%) e mais de metade dos homens (58,5%) indicam que adiaram essa decisão; e para uma parcela considerável esse adiamento atingiu pelo menos 5 anos – para 36% das mulheres e 48% dos homens (INE, 2020). As mulheres que decidiram adiar o nascimento da primeira criança apontam os factores socioeconómicos como tendo um papel relevante: a ausência de estabilidade no emprego, própria ou do companheiro (53%); as condições de habitação (44%); as dificuldades na conciliação entre vida familiar e vida profissional (43%); e a disponibilidade financeira para ter um filho/a (40%) (INE, 2020: 20). ii) redução do número de crianças por família – os homens e as mulheres que decidem ter crianças tendem a tê-las em menor número (Mendes, 2018); iii) diminuição populacional da coorte de mulheres nas chamadas idades “mais” férteis – isto é, é menor o número de mulheres que ainda têm pela frente um horizonte longo de idade fértil (INE, 2021: 5; Rosa e Oliveira, 2021: 10) in CES: A Natalidade em Portugal: uma questão política, económica e social (Parecer de iniciativa aprovado na Reunião do Plenário de 11/01/2022) https://www.ces.pt/index.php/noticias/artigo/aprovado-parecer-natalidade-uma-questao-economica-politica-e-social

3 – Formação dos membros do Governo em Direitos das Mulheres e em Igualdade entre Mulheres e Homens

Ao longo de quase duas décadas de interlocução institucional, a que se soma a experiência acumulada nesta área pelas nossas organizações-membros, a PpDM tem-se confrontado com responsáveis políticos com níveis de literacia muito variados em matéria de direitos humanos, em particular nas questões relativas aos direitos das mulheres e à igualdade entre mulheres e homens.

Assim, propõe-se que, à semelhança do que outros governos europeus já realizaram, também os membros do futuro Governo se disponibilizem para a participação numa ação formativa sobre estas questões a fim de evitar, tanto quanto possível, a ausência de análise e avaliação das iniciativas governamentais à luz da dimensão da igualdade e equívocos neste exercício, e também como iniciativa emblemática e pedagógica.

Caso o Governo opte por dar o exemplo promovendo uma ação desta natureza, a PpDM manifesta a sua disponibilidade para, em regime benévolo, organizar esta ação pondo à disposição do futuro Governo o seu reconhecido conhecimento e experiência e os seus recursos.

4 – Recursos para os direitos das mulheres e para a igualdade entre mulheres e homens no OE, no PRR e no Portugal 2030

Recordando o compromisso do Programa de Governo apresentado pelo PS ao eleitorado com a integração da dimensão da igualdade na repartição dos recursos financeiros do Estado, a Plataforma considera que é chegado o momento crucial para a sua concretização quer no OE2022, quer na atribuição das verbas contempladas em instrumentos estratégicos como o PRR e o Portugal 2030.

A Plataforma chama a atenção para a necessidade de capacidade técnica sólida para a sua realização, e para a importância da criação de estruturas de acompanhamento que integrem as Organizações Não Governamentais de Direitos das Mulheres (ONGDMs) para monitorizarem a sua implementação com base em metas, indicadores de investimento, estatísticas desagregadas por sexo e indicadores de género.

O Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE)[i] demonstrou, em 2018, que não chegou sequer a 1% as verbas dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, planeados no passado, que foram canalizados para medidas focadas na concretização da igualdade entre mulheres e homens na UE.

O Tribunal de Contas Europeu, por seu turno, nas conclusões da sua auditoria à integração da perspetiva de género no orçamento da UE[ii] concluiu que, desde 2014,  ainda não existe um quadro eficaz para apoiar a integração da perspetiva de género e que o ciclo orçamental da UE não teve devidamente em conta a igualdade entre mulheres e homens. Por exemplo, o Tribunal constatou que apenas 4 dos 58 programas de despesas de 2014-2020 continham objetivos explícitos relacionados com a igualdade entre mulheres e homens e que apenas 5 programas de despesas tinham indicadores. No entanto, constatou que nos domínios em que os requisitos jurídicos estavam definidos em pormenor, este facto facilitou a integração da igualdade entre mulheres e homens nos programas.

O próprio Regulamento do Mecanismo de Recuperação e Resiliência vem reconhecer no §28 do seu preâmbulo que: As mulheres foram particularmente afetadas pela crise da COVID-19, na medida em que constituem a maioria dos trabalhadores do setor da saúde em toda a União e que asseguram o equilíbrio entre a prestação de cuidados não remunerada e as suas responsabilidades no emprego. A situação é particularmente difícil para progenitores que exercem sozinhos as responsabilidades parentais, dos quais 85 % são mulheres. A igualdade de género e a igualdade de oportunidades para todos e a integração desses objetivos deverão ser tidas em consideração e promovidas ao longo da preparação e da execução dos planos de recuperação e resiliência apresentados nos termos do presente regulamento. Também é fundamental investir em infraestruturas de cuidados sólidas por forma a garantir a igualdade de género e a emancipação económica das mulheres, a fim de construir sociedades resilientes, combater as condições precárias num setor dominado por mulheres, reforçar a criação de postos de trabalho, prevenir a pobreza e a exclusão social e por forma a ter um efeito positivo no produto interno bruto (PIB), na medida em que permite que um maior número de mulheres exerça um trabalho remunerado.

Igualmente no articulado deste Regulamento se declara que – Artigo 4º, Objetivos gerais e específicos – o objetivo geral do mecanismo é promover a coesão económica, social e territorial da União, através da melhoria da resiliência, da preparação para situações de crises, da capacidade de ajustamento e do potencial de crescimento dos Estados-Membros, através da atenuação do impacto social e económico da crise, sobretudo no que diz respeito às mulheres.

Para além disso, estipula-se que o relatório de revisão a apresentar pela Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho até 31 de Julho p.f. compreenda os seguintes elementos – Artigo 16º, Relatório de revisão alínea a – uma avaliação sobre em que medida é que a execução dos planos de recuperação e resiliência está em consonância com os objetivos do presente Regulamento e contribui para os seus objetivos gerais em consonância com os seis pilares referidos no artigo 3º, nomeadamente a forma como os planos de recuperação e resiliência fazem face às desigualdades entre homens e mulheres.

[i] European Institute for Gender Equality, “Gender budgeting: Mainstreaming gender into the EU budget and macroeconomic policy framework”, Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2018. https://eige.europa.eu/publications/gender-budgeting-mainstreaming-gender-eu-budget-and-macroeconomic-policy-framework

[ii] Tribunal de Contas Europeu, “Integração da perspetiva de género no orçamento da UE: é altura de transformar as palavras em ação”, Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2021. https://www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/SR21_10/SR_Gender_mainstreaming_PT.pdf

 

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