Paula Rego: a mulher que pintou mulheres

Paula Rego nasceu em Lisboa, a 26 de janeiro de 1935. Perdemo-la hoje, a 8 de junho, 87 anos depois. Condecorada pelo Governo Português e pela Rainha Isabel II de Inglaterra, país onde viveu a maior parte da sua vida, o seu contributo artístico é inestimável e absoluto. Mas Paula é mais do que pintora, e a dor da sua perda estende-se para além do círculo artístico que presidiu em vida: ela é uma de nós, a mulher entre as mulheres, que pintou mulheres, que centrou mulheres, que deu luz e forma aos nossos corpos violentados, contorcidos, escuros, feios e cansados.

Dedicadamente antifascista toda a vida, Paula Rego acompanhou atentamente a construção do Portugal democrático, com expectativas para o que ele representaria para as mulheres e a sua causa de libertação. Em 1998, no rescaldo da derrota do primeiro referendo que procurava despenalizar o aborto em Portugal, Paula pintou uma coleção de oito gravuras, uma série de telas a óleo, intitulada “Aborto.” Quando, anos mais tarde, Kate Kallaway, jornalista do The Guardian, lhe questionou sobre a centralidade das mulheres no seu trabalho, nomeadamente mulheres de aspeto tantas vezes “violentado”, Paula respondeu: “Pinto as mulheres que conheço, pinto o que eu vejo. Faço das mulheres as protagonistas porque eu sou uma mulher. É mais interessante pintar as mulheres como elas são.”

As gravuras de Paula Rego reacenderam a discussão pública sobre o acesso à interrupção voluntária da gravidez, sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e das raparigas e sobre a violência atroz dos abortos clandestinos. Apenas em 2007 teve lugar o segundo referendo, que veio alterar a lei, retirando as mulheres do banco dos réus. A influência pública, cívica, militante e artística de Paula Rego neste processo é incontornável.

As organizações de mulheres, as fileiras de jovens ativistas e as mulheres comuns de todos os dias saúdam a Paula, companheira de luta e de vida, inabalável força de mudança e uma das maiores artistas contemporâneas portuguesas. Perdemo-la hoje, sublinhando o nosso compromisso em revisitá-la frequentemente, à sua obra e ao seu legado político.

8 de junho é, assim, um dia luto e de luta: os direitos das mulheres são direitos humanos, e os direitos humanos incluem os direitos das mulheres a controlarem e decidirem livre e responsavelmente sobre assuntos relacionados com a sua sexualidade, incluindo saúde sexual e reprodutiva, livre de coerção, discriminação e violência. Estes direitos não são optativos.

Exige-se que os compromissos assumidos em direção à educação sexual abrangente, contraceção, aborto seguro e uma sociedade livre de violência masculina contra as mulheres e raparigas sejam acompanhados de investimento e ação.

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres propôs há dois anos uma educação sexual feminista que desconstrua as relações desiguais de poder e assente em 5 pilares:

  • educação holística para a saúde e direitos sexuais e reprodutivos;
  • foco na prevenção da violência;
  • encorajar o pensamento crítico;
  • promover comportamentos e interações saudáveis e não coercivas;
  • e potenciar o desenvolvimento pessoal e as atitudes saudáveis para consigo própria/o.

A educação sexual não pode existir isoladamente, devendo ser parte de um sistema educativo que contribua para a eliminação do sistema patriarcal estruturalmente prejudicial.

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres propõe também que as consultas de planeamento familiar sejam denominadas de consultas de saúde sexual e reprodutiva – incluindo o planeamento familiar e que haja um investimento na divulgação e proximidade junto de raparigas e rapazes e de mulheres e homens, no sentido do seu acesso e usufruto igualitário ao longo do ciclo de vida.

O Ministério da Saúde tem que assegurar a concretização do acesso à IVG, sem custos, legal e segura em todos os territórios do país e a todas as mulheres independentemente do seu estatuto, tal como previsto na lei, o que foi dificultado no período mais agudo da pandemia e suscitou indignação num passado próximo com o aventar de normas técnicas pseudo neutras, que não eram mais do que sexismo disfarçado.

Reivindicamos aborto livre, seguro e gratuito para todas as mulheres e raparigas!

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