Para onde vai o dinheiro: o PRR & a Auditoria do Tribunal de Contas Europeu

O Lobby Europeu das Mulheres (LEM), a maior organização de associações de mulheres da UE, reuniu no passado dia 28 de maio com o Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE), como vem ocorrendo  anualmente. Ana Sofia Fernandes, Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, participou na reunião.

A agenda de trabalhos incluiu a troca de informações sobre as atividades em curso, bem como programadas por parte das duas entidades, no sentido de se fomentar sinergias e reforçar o efeito muliplicador da intervenção em prol da realização dos Direitos Humanos das Mulheres e da igualdade substantiva entre mulheres e homens.

Neste contexto, é de evidenciar a nota de investigação preparada pelo EIGE para a Presidência Portuguesa do Conselho da UE e que foi publicada no passado dia 26 de maio. Esta servirá de base às Conclusões do Conselho na área do Emprego e dos Assuntos Sociais atualmente em negociações por parte dos Estados-Membros da UE.

As consequências socioeconómicas da pandemia da COVID-19 que têm afetado desmesuradamente as mulheres e as raparigas, tal como a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres e as restantes Plataformas de associações de mulheres da UE têm sinalizado desde março de 2020, são uma das preocupações maiores a ter em consideração no desenho e implementação dos Planos de Recuperação e Resiliência (PRR). Até ao dia 8 junho, apenas 23 Estados-membros tinham apresentado os seus planos de recuperação. Portugal submeteu o seu a 22 de abril.

As organizações de mulheres a nível europeu têm apelado a que a Comissão Europeia não aprove os Planos se os mesmo não tiverem uma forte perspetiva de género, reduzindo as disparidades em salários, nos usos do tempo e nas pensões e fomentando efetivamente a igualdade entre as mulheres e homens: quanto dinheiro, em que medidas, quais os indicadores?

As razões não são de somenos importância: uma auditoria recente do Tribunal de Contas Europeu demonstrou o que as organizações de mulheres têm denunciado: que a Comissão Europeia não tem implementado mainstreaming de género, o que em termos orçamentais se traduz em orçamentos sensíveis ao género. Considerando que a UE despenderá um montante significativo de financiamento no âmbito do instrumento Next Generation EU e do novo Quadro financeiro plurianual (QFP) para 2021-2027, e que existe um compromisso no instrumento Next Generation EU de ter em conta a igualdade de género no âmbito do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) – que representa a maior parte do instrumento – os Planos nacionais de Recuperação e Resiliência terão de explicar como se espera que as medidas propostas contribuam para a igualdade entre mulheres e homens.

Integração da perspetiva de género no orçamento da UE: é altura de transformar as palavras em ação

A UE tem um compromisso de longa data com a igualdade de género, mas muito pouco foi feito para a integrar: por outras palavras, para promover a igualdade de género, de forma sistemática e ativa, na elaboração das políticas e nas despesas do orçamento da UE. Segundo um relatório publicado (…) pelo Tribunal de Contas Europeu, continuam em falta pré-requisitos necessários para o conseguir. Comunicado à imprensa aqui.

Por seu turno, o Parlamento Europeu aprovou no dia 10 de junho uma Resolução sobre os pontos de vista do Parlamento relativamente à avaliação em curso, pela Comissão e pelo Conselho, dos planos nacionais de recuperação e resiliência (2021/2738(RSP)), na qual:

Solicita à Comissão e ao Conselho que assegurem que a igualdade de género e a igualdade de oportunidades para todos, assim como a integração destes objetivos, sejam tidas em conta e promovidas durante toda a preparação e execução dos planos de recuperação e resiliência; espera que a Comissão proceda sistematicamente à recolha, análise e elaboração de relatórios sobre os dados desagregados por sexo existentes para a aplicação do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), em conformidade com o Relatório Especial n.º 10/2021 do Tribunal de Contas Europeu (TCE); manifesta-se profundamente preocupado pelo facto de a maioria dos planos de recuperação e resiliência não contribuir de forma significativa para estes objetivos nem os integrar e não incluir medidas explícitas e concretas para abordar a questão da desigualdade de género, correndo-se assim o risco de pôr em causa a capacidade de esses planos atenuarem os efeitos sociais e económicos da crise nas mulheres e darem resposta às recomendações específicas por país (REP) pertinentes.

O que diz o Regulamento do Mecanismo de Recuperação e Resiliência

Parágrafo (28) do preâmbulo: As mulheres foram particularmente afetadas pela crise da COVID-19, na medida em que constituem a maioria dos trabalhadores do setor da saúde em toda a União e que asseguram o equilíbrio entre a prestação de cuidados não remunerada e as suas responsabilidades no emprego. A situação é particularmente difícil para progenitores que exercem sozinhos as responsabilidades parentais, dos quais 85 % são mulheres. A igualdade de género e a igualdade de oportunidades para todos e a integração desses objetivos deverão ser tidas em consideração e promovidas ao longo da preparação e da execução dos planos de recuperação e resiliência apresentados nos termos do presente regulamento. Também é fundamental investir em infraestruturas de cuidados sólidas por forma a garantir a igualdade de género e a emancipação económica das mulheres, a fim de construir sociedades resilientes, combater as condições precárias num setor dominado por mulheres, reforçar a criação de postos de trabalho, prevenir a pobreza e a exclusão social e por forma a ter um efeito positivo no produto interno bruto (PIB), na medida em que permite que um maior número de mulheres exerça um trabalho remunerado.

Artigo 4º

Objetivos gerais e específicos

1.   Em consonância com os seis pilares referidos no artigo 3º do presente regulamento, a coerência e as sinergias que geram, e no contexto da crise da COVID-19, o objetivo geral do mecanismo é promover a coesão económica, social e territorial da União, através da melhoria da resiliência, da preparação para situações de crises, da capacidade de ajustamento e do potencial de crescimento dos Estados-Membros, através da atenuação do impacto social e económico da crise, sobretudo no que diz respeito às mulheres, através do contributo para a aplicação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, através do apoio à transição ecológica, através do contributo para atingir as metas da União para 2030 em matéria de clima previstas no artigo 2º ponto 11, do Regulamento (UE) 2018/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, e através do cumprimento do objetivo da neutralidade climática da UE até 2050 e da transição digital, assim contribuindo para a convergência económica e social ascendente, restaurando e promovendo o crescimento sustentável e a integração das economias da União, favorecendo a criação de emprego de alta qualidade, e contribuindo para a autonomia estratégica da União a par de uma economia aberta e gerando valor acrescentado europeu.

2.   Para atingir este objetivo geral, o objetivo específico do mecanismo consiste em prestar apoio financeiro aos Estados-Membros, com vista a atingir os marcos e as metas das reformas e dos investimentos previstos nos seus planos de recuperação e resiliência. Este objetivo específico deve ser prosseguido em cooperação estreita e transparente com os Estados-Membros em causa.

Artigo 16º

Relatório de revisão

1.   Até 31 de julho de 2022, a Comissão apresenta ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório de revisão sobre a execução do mecanismo.

2.   O relatório de revisão compreende os seguintes elementos:

a)

Uma avaliação sobre em que medida é que a execução dos planos de recuperação e resiliência está em consonância com os objetivos do presente Regulamento e contribui para os seus objetivos gerais em consonância com os seis pilares referidos no artigo 3º, nomeadamente a forma como os planos de recuperação e resiliência fazem face às desigualdades entre homens e mulheres;

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres encontra-se a analisar o Plano de Recuperação e Resiliência submetido pelo Estado Português. Queremos saber: quanto dinheiro, quais as medidas e quais os indicadores. Para isto é fundamental a existência de estatísticas desagregadas por sexo. Também queremos saber como vai ser feito o acompanhamento e a monitorização e, claro, participar nas estruturas a serem criadas para o efeito. Afinal, as mulheres são mais de metade da população e foram as mais afetadas com as consequências sócio-económicas da pandemia da COVID-19.

Leia mais sobre o trabalho da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres sobre orçamentos sensíveis ao género.

 

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