Os direitos humanos das mulheres foram hoje violados pela Assembleia da República, 22 de Jul.

COMUNICADO SOBRE AS ALTERAÇÕES APROVADAS À LEI 16/2007 SOBRE A IVG

Até 2007, o aborto clandestino e inseguro foi um grave problema de saúde pública em Portugal, provocando milhares de hospitalizações de mulheres, muitas mortes e problemas graves ao nível da sua saúde física e mental. Foi uma situação que feriu a dignidade das mulheres portuguesas, algumas delas sujeitas a julgamentos chocantes. O aborto ilegal e inseguro foi uma ferida na vida do Portugal democrático. Esta situação foi desde sempre mantida pela oposição de grupos e setores políticos que se opunham ao aborto legal e seguro, bloqueando as mudanças necessárias.

Foi preciso um referendo que, por grande maioria abriu a possibilidade de se resolver a questão do aborto ilegal e inseguro.

A lei aprovada em 8 de Março de 2007, e imediatamente regulamentada, permitiu o acesso das mulheres que desejavam interromper uma gravidez que não desejavam, sendo pronta e devidamente informadas e apoiadas por profissionais de saúde. A lei permitiu, protegeu, e promoveu o direito das mulheres de escolher. Sempre!

Como é sabido, o recurso ao aborto legal e seguro, ao contrário do que alguns e algumas esperavam, foi moderado e foi diminuindo mesmo nos anos da crise, sem que o recurso à contraceção diminuísse. Os dados existentes revelam que o uso da contraceção subiu nos últimos anos. E, seguramente, o acesso ao aborto legal deu também um contributo ao aumento do uso da contraceção. Definitivamente, a Lei 16/2007 melhorou a saúde reprodutiva em Portugal.

Nestes 8 anos, nenhum organismo do ministério da Saúde, nenhum/a Ministro/a ou Secretário/a de estado, nenhum/a responsável governamental colocou em causa a aplicação da lei. Por outro lado, quer a Inspeção-Geral da Saúde, quer a Direção-Geral da Saúde, acompanharam de muito perto a aplicação da lei assegurando, mais uma vez, que a vontade e a escolha das mulheres fosse sempre respeitada pelas/os profissionais e instituições do Serviço Nacional de Saúde. As e os profissionais e serviços envolvidos tiveram, anualmente, a oportunidade de discutir em conjunto a aplicação da lei.

Nestes 8 anos, apenas os grupos que perderam o referendo de 2007 puseram em causa a lei.

De forma inesperada, e quase no final da legislatura, a Assembleia da República decidiu reabrir esta questão através da discussão de uma ILC – Iniciativa Legislativa de Cidadãs/ãos pelo Direito a Nascer – promovida pelos grupos que se opuseram ao aborto legal e seguro, antes e depois do referendo de 2007 e da legislação que se lhe seguiu.

A Comissão para os Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias ouviu, em sessões separadas, as/os promotores/as desta iniciativa e, por outro lado, um conjunto de organizações da sociedade civil, de representantes da direção do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) e um representante da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). De fora, ficou a Direção-Geral da Saúde, que foi a entidade que sempre acompanhou a implementação da lei.

Por maioria, as/os deputadas/os do PSD e CDS-PP apresentaram um conjunto de propostas. Nenhuma das considerações, pareceres e dados apresentados pelas organizações da sociedade civil, CHLC e CNECV foram tidas em consideração. Diversas propostas da ILC “Pelo Direito a Nascer” estão contempladas nas propostas agora aprovadas. De tal forma os/as promotores/as da ILC veem as suas propostas integradas nas propostas do PSD e CDS-PP que decidiram mesmo retirar a sua, receando o chumbo inevitável a que estaria sujeita.

As propostas apresentadas basearam-se pois, e apenas, nas considerações de ordem moral dos grupos que se opõem ao aborto legal e seguro.

Neste contexto:

1.    As organizações subscritoras afirmam, em primeiro lugar, que a aprovação das alterações à lei, da iniciativa e votação dos e das deputados/as do PSD e CDS-PP não tem legitimidade política, mesmo que tenha a maioria imposto a sua vontade. De facto, em nenhum momento, quer no debate que antecedeu a discussão dos projetos-lei na especialidade, quer durante o próprio processo de audições, os/as subscritoras/es destas propostas as apresentaram e defenderam publicamente. A transparência política, que deve ser norma num debate democrático desta natureza, e que deve enformar propostas de mudanças tão significativas como as que hoje foram aprovadas, esteve totalmente ausente. Estamos pois perante uma autêntica golpada legislativa.

2.    As propostas aprovadas, ao introduzirem o aconselhamento obrigatório por psicólogos/as e assistentes sociais, são uma afronta à autonomia das mulheres e ao seu direito de escolha informada. Em mais nenhum procedimento médico, existe um aconselhamento obrigatório, mesmo quando, por exemplo, a mulher decide fazer uma laqueação de trompas, que é um método de contraceção irreversível.

Repetimos que, nestes 8 anos, as mulheres tiveram sempre a oportunidade de falarem com profissionais de saúde, nomeadamente de psicologia e serviço social porque, desde o início, tal estava contemplado na lei 16/2007. Cabia à mulher pedir livremente esses apoios, se o entendesse. Enquanto que, agora, as mulheres sujeitam-se obrigatoriamente a tê-los queiram ou não queiram, precisem ou não precisem.

Por outro lado, tendo os procedimentos de IVG até às 10 semanas um tempo muito limitado, as novas propostas vão introduzir atrasos no processo de IVG, tão inúteis quanto perigosos, pois podem colocar facilmente as mulheres fora dos prazos legalmente previstos e, por isso, as propostas aprovadas quanto ao processo de IVG podem ser promotoras do recurso ao aborto ilegal e inseguro, porque fora dos prazos e na ausência de qualquer enquadramento profissional.

3.    Quanto à questão dos/as objetoras/es de consciência, as propostas aprovadas não têm sequer fundamento legal. Ter opiniões é uma coisa. Ser profissional ou cidadã/ão objetor/a de consciência seja para o que for, é outra coisa, totalmente diferente.

As opiniões pessoais são do foro íntimo e pessoal. Por isso mesmo não carecem de registo. O estatuto de objetor/a de consciência, pelo contrário, é público e implica o respetivo registo, para que as instituições saibam com que profissionais podem contar em determinados atos médicos.

Quem é objetor/a de consciência face à IVG, não pode nem deve participar num processo sobre o qual tem uma objeção definitiva. É mesmo um direito que lhe assiste e, declarando-se indisponível para assistir a mulher num tema que objeta, mandam as normas que o/a profissional deve sempre referenciar a mulher para outra/o colega ou serviço que não seja objetor de consciência.

As propostas aprovadas, que defendem a possibilidade das/os objetores de consciência não revelarem as suas posições (porque não as registam), além de irem contra as normativas existentes nesta matéria, a nível nacional e internacional, vão levar a que as mulheres que procurem ajuda nos serviços de saúde se deparem com profissionais que, por princípio, vão estar contra as suas escolhas, podendo até tentar convencê-las das suas próprias opiniões pessoais.

Isto contradiz as boas práticas de aconselhamento e informação, as quais devem ser isentas e promotoras das escolhas pessoais, em temáticas delicadas e íntimas.

4.    Por último, as propostas aprovadas, ao introduzirem as taxas moderadoras colocam a IVG, de forma inadmissível, fora das isenções previstas em todos os cuidados de saúde materna. Nem o próprio ministro as defendeu ou considerou como matéria urgente. As taxas moderadoras poderão ser outro fator promotor do aborto inseguro e ilegal

Neste contexto, as organizações signatárias comprometem-se, desde já, a desenvolver todos os esforços ao nível legal e político, para impedir que estas alterações à lei 16/2007 sejam implementadas.

As organizações signatárias comprometem-se, igualmente, a desenvolver todos os esforços para que, logo no início da próxima legislatura os obstáculos e ilegalidades agora votados sejam urgentemente removidos da legislação, defendendo assim o respeito pela vontade popular expressa em Fevereiro de 2007.

Lisboa, 22 de Julho de 2017

Associação ComuniDária
Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV)
Associação Mulher Século XXI
Associação para o Planeamento da Família
Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres (APEM)
Associação SERES
CooLabora, CRL – Consultoria e Intervenção Social
Comissão de mulheres da UGT
EOS – Associação de Estudos, Cooperação e Desenvolvimento
GRAM – Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas
In Loco
Mén Non Associação da Mulher de S.Tomé e Príncipe em Portugal
P&D Factor
Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM)
Rede 8 de Março
Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens (REDE)
SEIES – Sociedade de Estudos e Intervenção em Engenharia Social Crl
TAIPA, CRL
UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta

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