Orgulho em ser cigana: Deputada cigana do Parlamento Europeu, Lívia Járóka sobre a necessidade de uma estratégia europeia
- 12 milhões de pessoas europeias de origem cigana continuam a enfrentar segregação e pobreza intergeracional;
- Os países europeus que saíram da era comunista enfrentaram novas realidades económicas que deixaram os mais pobres sem emprego;
- “A vida nómada não é o que a população cigana quer. Querem trabalhar, dignidade e comida para amanhã.”.
Lívia Járóka, Deputada ao Parlamento Europeu: “Para mim ser cigana é um elemento positivo. Enriquece-me.”
Como acerca de 12 milhões de europeus de origem cigana continuam a enfrentar segregação e pobreza intergeracional em toda a União Europeia, a UE procura soluções à escala europeia. A Estratégia Europeia Roma é uma das prioridades da Presidência Húngara, assim, falámos com Lívia Járóka (EPP), a única membro de origem cigana do Parlamento Europeu. A Deputada húngara de 36 anos, preparou um relatório sobre a estratégia que permitisse à Europa usar o potencial do povo cigano.
Está a tentar lançar uma Estratégia Europeia Roma. Quais são as questões centrais?
LJ: Temos que mudar o nosso ponto de vista, muito étnico dessa minoria, para algo mais aberto que ofereça mais possibilidades à população cigana, sobretudo, em relação ao emprego. Temos Leis europeias para combater a discriminação, mas não são implementadas em todos os países europeus. Porém, a discriminação étnica é apenas um dos factores. Temos pobreza invisível na Europa que não é vista pelos fundos europeus.
LJ: Nessa estratégia Roma a metade do sucesso vai depender das próprias comunidades ciganas e em bons e boas líderes. Assim, existe a necessidade de uma liderança nova e forte de pessoas ciganas que venham directamente das comunidades e que as representem.
Temos tendência em pensar que as/os ciganas/os vivem vidas nómadas. Mas será mesmo assim,ainda?
LJ: As e os ciganos, como cidadãs e cidadãos europeus, têm direito à livre circulação, mas a questão é até que ponto é que querem circular: Hoje em dia 95% dos cidadãos europeus ciganos são sedentarizados. Os 5% que circulam fazem-no por razões culturais ou artesanais.
LJ: Durante os últimos anos temos visto uma migração claramente económica. Os países europeus que saíram dos regimes comunistas enfrentaram realidades económicas que deixaram os mais pobres sem emprego. Os ciganos foram os primeiros a ser despedidos, não por razões étnicas, mas porque eram muito pouco qualificados.
LJ: A vida nómada não é o que os ciganos querem. Querem trabalhar, dignidade e comida para amanhã. A próxima geração corre o risco de pobreza não por ser cigano, mas por ter pais desempregados. Temos que prevenir a migração económica dos ciganos, como aconteceu na França, na Grã-bretanha, na Itália e vários outros países. Mas muitas pessoas pobres de origem não cigana, também estão a emigrar para ter emprego.
Quais são as chaves para o empoderamento das mulheres ciganas?
LJ: Nas regiões desfavorecidas duas gerações de pessoas ciganas estão a crescer sem ver os pais irem trabalhar. Isto significa, também, que são as mulheres que, fisicamente e mentalmente, mantêm a esperança. Tenho visto – e sou antropóloga – quanto depende das mulheres: elas asseguram que haja comida na mesa todos os dias e que os direitos dos seus filhos sejam cumpridos.
LJ: Empoderar as mulheres ciganas é um dos elementos chave da nossa estratégia. Temos que ter a certeza que não acontecem casamentos forçados, temos que combater o tráfico de pessoas e de drogas.
O seu exemplo prova que pobreza e exclusão social não têm que ser sinónimos das comunidades ciganas. Qual é a sua sugestão para outras pessoas de origem cigana que querem seguir o seu exemplo?
LJ: A minha sorte foi a educação. Os meus pais mudaram de casa para ter a certeza que na escola não seríamos colocados em turmas segregadas só para crianças ciganas e eles tiveram o cuidado de ter a certeza, sempre, que estudávamos bastante bem para entrar em escolas boas. Porém, o elemento mais valioso que recebi, foram os vínculos da família e a nossa tradição muito forte de aceitar o outro.
LJ: Eu venho dum casamento misto. Vi o que os meus pais nos deram para ter uma vida melhor. Os meus irmãos e eu, todos fomos para a Universidade e isso tudo graças à mensagem positiva dos meus pais.
Enfrentou alguma discriminação quando era jovem?
LJ: Para mim ser cigana é um elemento positivo. Enriquece-me. O meu pai foi sempre muito protector. Nunca ouvi nenhum comentário inter-étnico em casa. Para nós, foi natural ser ciganos mas, primeiro de tudo, húngaros e europeus. Porém, a minha irmã – 10 anos mais nova que eu – nasceu durante a altura das mudanças do regime político, turbulências económicas e tensão social. Começou a existir uma diferença crescente entre a população cigana e não cigana, pobres e ricos, começámos a sentir na nossa própria pele.
LJ: Os meus próprios colegas e amigos na faculdade tinham muito pouco conhecimento sobre as realidades ciganas e eram completamente enganados por preconceitos. Percebi que tinha que intervir e demonstrar que além de cuidar dos currículos nacionais, do diálogo social e do trabalho dentro das comunidades ciganas, é também, extremamente importante trabalhar com os media.
Como podemos criar uma confiança mútua, entendimento e cooperação?
LJ: Os media têm um papel muito importante em mostrar os modelos de cooperação entre pessoas ciganas e não ciganas. Na crise económica é mais difícil combater a desconfiança. O nosso papel deverá ser o de criar sítios de integração, como clubes de desporto, salas de aula e sítios de trabalho comuns. Depois precisamos de uma muito boa liderança cigana. Aguardo que apareça uma abordagem bottom-up realmente baseada na comunidade proveniente da sociedade cigana.
O relatório draft sobre a estratégia europeia para a inclusão da população cigana vai ser votado pelos deputados na Comissão das Liberdades Civis em Fevereiro e chegará ao plenário em Março.
Traduzido de: Proud to be Roma: Roma MEP Lívia Járóka on the need for a European strategy pela Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres.