Mulheres e Igualdade na Europa e em Portugal: paridade e desigualdade salarial

Em setembro de 2019, a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres no contexto do projeto Connect Europe desenvolveu uma série de iniciativas para debater duas questões decisivas dos direitos das mulheres reivindicadas pela Campanha 50/50: igualdade salarial e paridade. As iniciativas tiveram como base a Carta para os Direitos Fundamentais na União Europeia que no seu artigo 23º consagra a “igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração” ao mesmo tempo que recomenda “medidas que prevejam regalias específicas a favor do sexo sub-representado”, ou seja, a favor da paridade na participação política e económica.

Para promover a aplicação do artigo 23º, e com um novo Parlamento Europeu e uma nova Comissão Europeia a tomar posse em novembro, esta é a altura para dar continuidade à Campanha 50/50 do Lobby Europeu das Mulheres e das suas coordenações nacionais.

Esta campanha tem dois focos principais: por um lado, aumentar a representação das mulheres na política europeia (#MulheresParaAEuropa) e, por outro lado, promover políticas europeias que contribuam para a igualdade entre mulheres e homens (#EuropaParaAsMulheres).

Estas propostas de políticas europeias encontram-se resumidas numa série de reivindicações das organizações de direitos das mulheres no sentido da realização efectiva direitos humanos das mulheres e raparigas, que incluem a paridade ao nível nacional e europeu e a igualdade salarial entre mulheres e homens em toda a Europa.

Paridade

O número de mulheres no Parlamento Europeu subiu de 36% para 39% nas últimas eleições em 2019, aproximando-se do limiar de paridade de 40% de representação de ambos os sexos recomendado pelo Conselho da Europa. Apesar de ser um passo positivo, as organizações de mulheres ainda o consideram insuficiente visto que continua muito aquém da real definição da paridade, ou seja, 50% de mulheres e 50% de homens.

No seguimento do apelo à Europa do Manifesto 50/50 para que fosse garantida uma “igual representação de mulheres e homens na tomada de decisão política, traduzida numa representação de 50/50 de cada sexo em todos os órgãos de tomada de decisão da UE, incluindo nos altos cargos da UE”, a PpDM enviou uma carta ao Primeiro-Ministro António Costa, nas vésperas do Conselho Europeu a 20 de junho de 2019, apelando à nomeação de uma mulher e um homem para o cargo de Comissária/o.

As pressões das organizações de mulheres a nível europeu também se fizeram sentir e o resultado foi a primeira mulher Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que se comprometeu a ter uma comissão paritária, e a nomeação da primeira Comissária portuguesa, Elisa Ferreira, que foi aprovada de forma unânime pelo Parlamento Europeu.

A nível nacional, a PpDM defendeu alterações mais ambiciosas à “lei da paridade” do que aquelas que foram aprovadas. Contudo, as alterações aprovadas implementariam o limiar de paridade de 40% e a exclusão das listas que não o cumpram. O resultado é visível nas listas apresentadas para as eleições legislativas de 2019.

A PpDM vai continuar a defender uma real lei da paridade 50/50, que se aplique tanto às listas como aos resultados eleitorais, devendo abranger também as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, seguindo as recomendações do Comité CEDAW das Nações Unidas a Portugal.

Após as eleições europeias e as nomeações para a Comissão, a Campanha 50/50 aposta agora na vertente #EuropaParaAsMulheres, que deve realizar na prática a igualdade salarial para todas as mulheres na Europa, entre outros direitos fundamentais.

Igualdade salarial

A nível europeu, a disparidade salarial entre mulheres e homens é de 16%. Em Portugal, é de 17,5%, segundo o Eurostat.

Apesar da Constituição da República Portuguesa afirmar no seu artigo 59.º que “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”, Portugal continua a ser dos países europeus onde a disparidade salarial é mais elevada.

Outro factor preocupante é o facto desta disparidade aumentar quanto mais elevada é a formação das mulheres. Ou seja, segundo a CITE:

“…a diferença salarial de género é mais acentuada nos níveis de escolaridade mais elevados, diminuindo nos níveis de escolaridade mais baixos. Assim, no grupo com habilitações ao nível do 1.º ciclo do ensino básico, a remuneração média mensal de base das mulheres representava, em 2015, 87,5% da remuneração média mensal de base dos homens e o ganho médio mensal das mulheres representava 82,8% do ganho dos homens, enquanto no grupo dos licenciados, esta diferença aumenta para 71,7% e 70,7%, respetivamente.”

Para combater a disparidade salarial, o governo português desenvolveu a Campanha Nacional pela Igualdade Salarial – Eu mereço igual, promovida no contexto dos 40 anos da Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego e da entrada em vigor da Lei da Igualdade Salarial entre Mulheres e Homens (Lei n.º 60/2018).

Contudo, esta lei tem limitações claras. Para a PpDM, o âmbito desta lei devia ser alargado a todas as empresas em Portugal considerando que a maioria são micro, pequenas e médias empresas e que é nessas que a maioria das mulheres trabalham, sendo que também deviam ser incluídos procedimentos obrigatórios para a articulação entre a vida profissional e familiar, tal como o já citado art.º. 59º da Constituição preconiza na sua alínea b) e a Carta dos Direitos Fundamentais da UE veio reforçar.

Igualdade salarial, paridade e legislativas 2019

Com base nas reivindicações da Campanha 50/50, a PpDM fez a recolha e análise dos programas eleitorais dos partidos políticos para as eleições legislativas de 2019. Apesar de alguns partidos manifestarem uma maior sensibilidade para estes temas e proporem medidas concretas, é claro que ainda há muito que fazer.

No que diz respeito à igualdade salarial, salientamos as seguintes medidas:

  • avaliar a lei atual de combate às desigualdades salariais entre mulheres e homens e corrigir essas desigualdades (PS);
  • monitorizar a desigualdade salarial (Livre, PSD);
  • combater a segregação profissional (PS).

Quanto à articulação entre a vida profissional, pessoal e familiar:

  • inclusão das creches (0-3 anos) no ensino público ou aumentar a comparticipação do Estado (BE, PS, PSD);
  • alargar os direitos de parentalidade – aumentar a partilha da licença de parentalidade (BE, Livre, PS, PSD);
  • “novas” formas de organização do trabalho – teletrabalho, concentração do horário laboral (CDS, Chega, Livre, PS);
  • reforço da rede pública de equipamentos sociais de apoio às crianças, jovens e pessoas idosas (BE, CDU, CDS, PS).

No que diz respeito à paridade:

  • aumentar o limiar de paridade na política – 50% (BE);
  • estabelecer a paridade como regra nos órgãos diretivos (Livre);
  • aumentar o limiar de paridade na gestão de empresas (PS, PSD);
  • Alargar a lei da paridade a todas as eleições, abrangendo as eleições regionais, nos termos constitucionais e respeitando a reserva de iniciativa das Assembleias Legislativas Regionais (PS).

Oportunidades e prioridades para o novo mandato europeu

Com uma Comissão Europeia paritária, uma Presidente da Comissão comprometida em defender a igualdade entre mulheres e homens e uma nova Comissária Europeia para a Igualdade, o novo mandato europeu pode representar a oportunidade de a União Europeia voltar a ter como prioridade a realização efectiva da igualdade entre mulheres e homens na Europa.

Cabe à Comissária para a Igualdade, Helena Dalli, conseguir consciencializar  as e os restantes Comissárias/os para a dimensão da igualdade entre os sexos e para os diferentes impactos que as políticas europeias têm em mulheres e homens, tendo também em consideração as discriminações múltiplas que algumas mulheres estão sujeitas na Europa. Durante a audição no Parlamento Europeu, Helena Dalli também prometeu uma nova Estratégia Europeia para a Igualdade de Género.

Já a Comissária portuguesa, Elisa Ferreira, responsável pela pasta da Coesão e Reformas, comprometeu-se durante a sua audição no Parlamento Europeu a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para garantir a inclusão da dimensão da igualdade entre mulheres e homens de forma sistemática e transversal (mainstreaming) nos fundos que terá a seu cargo.

Num contexto em que os direitos das mulheres e raparigas sofrem um retrocesso na Europa e no mundo, é a altura da União Europeia reafirmar a sua Carta dos Direitos Fundamentais e realizar na prática, finalmente, a igualdade entre mulheres e homens.

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