De Viva Voz II em Évora: (in)visibilidades da participação cívica e política das mulheres
No passado dia 25 de fevereiro de 2023, a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) e sua organização-membro, a Associação Ser Mulher, promoveram o Seminário-debate Participação e representação política e cívica das mulheres, na Câmara Municipal de Évora, integrado no projeto De Viva Voz II: Por uma ação feminista transformadora. De Viva Voz II visa amplificar as vozes das mulheres que investigam e atuam em prol dos direitos humanos das mulheres, e consolidar um espaço público de reflexão crítica feminista sobre os atuais problemas que afetam as mulheres e os novos e velhos obstáculos à sua igualdade social face aos homens, fomentando o diálogo intergeracional e a memória coletiva do associativismo de mulheres.
Apesar dos avanços decorrentes da legislação, nas últimas eleições legislativas o número de mulheres eleitas como deputadas para o Parlamento diminui (2022: 37% – 2019: 38%) assim como o número de mulheres eleitas ao nível local como Presidentes de Câmara (2021: 9,4% – 2017: 10,5%), por outro lado a intervenção das mulheres e pelas mulheres é, frequentemente, invisibilizada ou menos noticiada.
Neste contexto, um conjunto de mulheres com intervenção ao nível político e associativo, e com percursos variados ao nível local, nacional e internacional, refletiram sobre as razões da persistente sub-representação política das mulheres e sobre as formas de a ultrapassar, bem como sobre práticas de visibilidade da intervenção das mulheres em diferentes esferas da sociedade, com particular destaque para projetos em curso no Alentejo.
O Programa, com entrada livre, contou com a presença de Aurora Rodrigues, ex-presa política, Ana Sofia Fernandes, Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, mulheres eleitas ao nível local, como Elsa Teigão, Patrícia Raposinho e Florinda Russo e dirigentes de Associações de Mulheres, como Ana Beatriz Cardoso e Margarida Medina Martins. A moderação esteve a cargo de Isabel Romão, reconhecida especialista com amplo percurso internacional, e Patrícia Santos Pedrosa, dirigente associativa. A academia esteve representada por Saudade Baltazar, docente na Universidade de Évora. Maria João Faustino, coordenadora do projeto De Viva Voz II, encerrou os trabalhos.
Neste contexto, foi explanada a importância de recuperar o percurso e a memória de mulheres académicas e ativistas, com contributos em áreas tão diferenciadas como o combate à violência sexual e à pornografia, as teologias feministas, a literatura e a musicologia.
Resistir e combater o apagamento das mulheres não é só uma questão de justiça fundamental; é também um requisito para que o movimento feminista cresça em alicerces seguros e amplifique as suas conquistas. Para tal, importa promover pontes entre gerações de mulheres e espaços de diálogo entre academia, associações e ativismo. É este o propósito do projeto De Viva Voz II, materializado em diversos recursos: webinares, entrevistas, podcasts e conferências.
Neste encerramento de trabalhos fizemos referência à intervenção de Aurora Rodrigues (também entrevistada para o projeto De Viva Voz II).
- Arte e empoderamento no combate à violência doméstica: as Digitálias
A Associação Ser Mulher, com raízes que remontam ao Lar de Santa Helena em 2016, continua a ser um farol de esperança e empoderamento para as vítimas de violência doméstica, as suas filhas e os seus filhos. E a sua missão vai muito além do mero acolhimento, abraçando uma abordagem artística e feminista que tem transformado vidas e gerado impacto positivo. Na sua constituição e estatutos, a Ser Mulher alia as artes à luta contra a violência sobre as mulheres. Os seus objetivos incluem a promoção de criações artísticas que abordam todas as formas de violência contra as mulheres, a desconstrução de estereótipos de género, a promoção da igualdade entre mulheres e homens, e a busca de uma cultura de paz.
A partir de 2018, a Professora Teresa Furtado, da Escola de Artes da Universidade de Évora, uniu forças com a Associação para desenvolver um trabalho artístico e co-criativo com as mulheres que encontraram refúgio e apoio na Ser Mulher, uma instituição integrada na Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica (RNAVVD).
No ano letivo de 2021/2022, um curso de arte digital foi ministrado a essas mulheres, capacitando-as com competências em tecnologia da informação e comunicação (TIC). Dessa atividade surgiu o coletivo “Digitálias”, que tem se destacado com uma prolífica produção artística em co-criação. Até o momento, as “Digitálias” já realizaram cinco exposições que têm cativado o público.
As obras criadas pelo coletivo “Digitálias” transmitem uma notável sensação de partilha, união, superação (com produções inspiradas na obra de Nela Millik sobre cicatrizes), sororidade e empoderamento das mulheres, celebrando não apenas os seus direitos e liberdade (com produções associadas ao 25 de abril e aos direitos conquistados pelas mulheres), mas também explorando o conceito de “medida do mundo” (com produções relacionadas à imagem de Vitrúvio de Leonardo da Vinci).
O impacto da atividade das “Digitálias” é tão relevante que inspirou a tese de doutoramento da Professora Teresa Furtado, aprovada com louvor e distinção, intitulada Net Art e Igualdade de Género: Cocriação com Mulheres de Casas de Abrigo. O coletivo mantém a sua atividade e pretende criar diversos murais num “roteiro feminista de murais pelo Alentejo”, seguindo a lógica de trabalho artístico co-criativo que as caracteriza. Além disso, as “Digitálias” têm expandido a sua produção co-criativa a outros públicos, designadamente com mulheres rurais das freguesias rurais do concelho de Évora.
- “AAA+ 8 Mulheres, Saberes Práticos e o Montado”
A Associação Ser Mulher, em colaboração com a Fábrica Catalã e a Casa do Montado, apresentou o notável projeto “AAA+ Mulheres, Saberes e Montado”. Este projeto de investigação e arte mergulhou nas ricas histórias de vida das mulheres mais velhas que trabalharam no campo nas 8 freguesias rurais do concelho de Évora. O resultado é uma coleção de vídeos e obras de arte que capturam o passado, o presente e o futuro destas mulheres extraordinárias.
Durante este projeto, uma série de entrevistas foram conduzidas, permitindo que as mulheres mais velhas partilhassem suas experiências de trabalho no campo, além de revelar detalhes de suas vidas pessoais e familiares. O intuito era compreender a evolução dos direitos das mulheres ao longo do tempo, particularmente antes e depois do 25 de abril, bem como o papel fundamental das cooperativas no avanço dos direitos laborais e nas futuras reformas desfrutadas por essas mulheres.
O resultado desse processo são oito vídeos cativantes que não apenas documentam essas histórias notáveis, mas também proporcionam um mergulho profundo na trajetória destas mulheres. Além disso, o projeto gerou uma série de oito obras de arte exclusivas, criadas por oito talentosas artistas mulheres.
Para partilhar e celebrar estas preciosas histórias e expressões artísticas, os vídeos e obras de arte serão expostos nas oito freguesias do concelho de Évora. Este projeto não apenas lança luz sobre o passado, mas também inspira reflexões sobre o presente e o futuro, promovendo um entendimento mais profundo das conquistas das mulheres e a sua importância nas comunidades rurais. É uma homenagem merecida a essas mulheres incríveis e um lembrete do seu impacto duradouro na sociedade.
De Viva Voz II é promovido pela PpDM em parceria com o Centro de Filosofia e Género da SPF, CEMRI da Universidade Aberta e APEM – Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres e cofinanciado pelo Apoio técnico e financeiro da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género às Organizações não Governamentais de Mulheres, ao abrigo do Decreto-lei n.º 246/98, de 11 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 37/99, de 26 de agosto.