Fazer ouvir as vozes das mulheres afegãs: prometam não nos esquecer

Mulheres de todo o mundo reuniram-se no sábado, 28 de agosto, para fazer ouvir as vozes das mulheres afegãs e das associações feministas e humanitárias que as apoiam há duas semanas, desde que os Talibãs tomaram a capital do país, Cabul, entre as quais várias delegadas da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres. Organizado pela Rede Europeia de Mulheres Migrantes, organização membro do Lobby Europeu das Mulheres, o evento online reuniu dezenas de mulheres do mundo inteiro (EUA, Rússia, Portugal, Grécia, Espanha, França e Bélgica, entre outros) de várias associações com o propósito de perceberem como poderiam ser solidárias, colocando questões diretamente às mulheres e raparigas afegãs.

Muitas mulheres e meninas no Afeganistão não têm voz. Sejam a nossa voz. Levem a nossa voz para o mundo, disse Frohar Poya afegã da ENoMW

Nas últimas duas semanas, não dormimos muito. E quando adormeço estou a pensar em Cabul e acordo a pensar em Cabul”, disse Anna Zobnina, coordenadora da ENoMW

Estamos muito preocupadas com a situação das mulheres no país, sabemos que em situações de crise é sempre pior para as mulheres. Estas mulheres estão a sofrer, agora é a hora de agir; não depois, quando for demasiado tarde, e algumas já tiverem perdido a vida, sublinhou o co-presidente da ENoMW, Salomé Mbugua

Não as abandonem

Eu estava no Afeganistão na década de 1990, quando os Talibã assumiram o poder. Fugi para o Paquistão pelo mesmo aeroporto que vemos nas notícias e através do qual as pessoas estão novamente em fuga. A minha mãe, o meu irmão e eu tivemos sorte na altura. Eu tinha 14 anos. Vim a descobrir que a maioria das minhas amigas da mesma idade tinham sido casadas ​​… Eu não tinha apenas medo dos Talibã, mas também do que toda a sociedade poderia vir a fazer, porque não era amigável para com as meninas e mulheres  –  Zuhra Bahman é diretora no Afeganistão da Search for common ground, uma associação que intervém em contextos de conflitos violentos.

Hoje, temo particularmente que o conflito se transforme numa guerra civil. As mulheres são o alvo nesses casos. Cada vez que um novo grupo assumia o poder no país, vivíamos ataques de diferentes facções, não apenas dos Talibã. Lembro-me de ter que me esconder num porão para escapar de uma dessas invasões. Aqueles homens queriam levar-me.

Queremos Paz

Sei que logo estarei de volta a Cabul. Amo muito esta cidade. Também quero dar o meu total apoio às mulheres e feministas afegãs que continuam a ser ativistas visíveis. Há tantas mulheres corajosas que se estão a mobilizar … Devemos ter cuidado para não as deprimir com as informações que estamos a transmitir sobre a situação do país, e que às vezes são falsas. Há violência física, mas também há violência psicológica. Ouvir e ler boatos todos os dias pode levar as mulheres afegãs a tomarem decisões precipitadas.

Outra coisa precupa-me: vocês vão encontrar as mulheres afegãs quando chegarem aos vossos países. Não creio que elas tenham recebido todas as informações sobre como as mulheres migrantes são recebidas. Acreditam que elas teriam fugido se soubessem da discriminação que as espera? As restrições à sua mobilidade, à sua contratação? É preciso sororidade, porque porque foi-lhes vendido um sonho. Elas vão sentir-se traídas pelo sistema de imigração. Estejam lá para elas, conheçam-nas; também será importante criar um vínculo com as mulheres que permanecem no país.

A voz das raparigas conta

Estou em segurança e é por isso que posso falar convosco, começa Meena Nezami, presidente e fundadora da Girl Up Afghanistan. Em primeiro lugar, deve ser dito que o Afeganistão é um grande país no coração da Ásia e, por isso, todas as grandes potências querem lá estar, para ter acesso a ele. A população afegã está cansada de todos estes anos de ocupação. Há muito a reconstruir, às vezes não sabemos por onde começar, mas também temos que reconhecer os sucessos dos afegãos, e especialmente das mulheres afegãs. Nem todas/os poderão fugir. As pessoas continuarão a viver no Afeganistão. E quero que as meninas do Afeganistão saibam que têm o poder de fazer a diferença. Que a sua voz é importante. Quero que vivam num outro mundo. As meninas e as mulheres devem ser fortalecidas. Para serem o que desejam. Não podemos cair numa situação que as impede de contribuir para a sociedade, já o fazem apesar da violência a que estão sujeitas! Devemos construir a paz e a justiça no país para lutar contra os abusos de anos. Não desculparemos quem cometeu um único crime no Afeganistão, mas precisamos negociar a paz para que o país se torne estável novamente. Para viver. É importante criar redes de mulheres europeias e internacionais para nos apoiar nesta reconstrução.

 

Mahbouba Seraj defende os direitos das mulheres afegãs há anos. Ela ficou em Cabul. “O que querem saber?”, Ela pergunta. “A situação no país? Não temos governo, nem banco, nem sistema que nos proteja. Há um vácuo de poder e tudo pode acontecer, inclusive o pior. Precisamos que a comunidade internacional nos ajude a colocar este país de pé… E agora o ISIS chegou ao país. Temos que lidar com esta situação, caso contrário, a guerra espera-nos. Muita gente não poderia sair do Afeganistão, incluindo mulheres em perigo absoluto. Não sabemos se os Talibã saberão como lidar com a situação. Mas como vão eles conseguir viver sem nós, se não construirmos o nosso Afeganistão? Eles não podem fazê-lo sem nós, disso eu sei. Neste período, todas/os estão apavoradas/os, isto sente-se nas ruas de Cabul. É compreensível, eles começaram a chicotear as pessoas. Você não pode obrigar as pessoas a serem obedientes chicoteando-as. Eu fiquei, mas entendo aquelas que partiram, não sabemos como isto vai evoluir. Eles vão chicotear as mulheres que querem sair de casa, que querem ir para a escola? Por enquanto, ficamos em casa, ouvindo as notícias e sentindo-nos desamparadas. Temos medo de ser abandonadas pela comunidade internacional. Nós queremos paz.

Solidariedades feministas

Solidária, Reka Safrany, Presidente do Lobby Europeu das Mullheres, relembrou a posição tomada por esta que é a maior associação de mulheres da UE, em apoio às mulheres afegãs e o trabalho que estão a fazer interpelando decisoras/es políticas/os na Europa. “Nenhuma mulher está segura até que todas estejam seguras”, concluiu ela.

Katharina Miller, por sua vez, é presidente da Associação Europeia de Mulheres Advogadas: Há duas semanas oiço as minhas irmãs afegãs e digo-lhes: Contem conosco, usem-nos, estamos numa situação mais confortável, podemos fazê-lo. Exortamos os governos ocidentais a não reconhecerem a legitimidade dos Talibãs e a protegerem as mulheres que se mobilizam contra este regime. Se os Talibãs nos queremos convencer de que mudaram, podem realizar eleições para compor um parlamento e um governo. Exigimos que a liberdade de expressão e de imprensa seja respeitada, que as mulheres continuem a ser educadas. Exigimos também que as fronteiras permaneçam abertas. Neste momento, estamos a compilar listas de mulheres incríveis, advogados, promotoras, ativistas, para que possam deixar o país, porque Cabul não é mais um lugar seguro. Criamos o Women4Afghanistan. Mulheres que querem ajudar podem contactar-nos. Somos uma rede, somos fortes juntas, continua.

A feminista ucraniana Tatiana Kotlyarenko também falou. Quero dizer que tenho orgulho de ser mulher hoje, porque as mulheres de todo o mundo uniram-se pelas mulheres e meninas do Afeganistão. Mas não é responsabilidade exclusiva das mulheres, há leis e convenções para nos apoiarmos para acabar com a discriminação. A igualdade de género é importante para a estabilidade de um país. Não aceitaremos que os direitos das mulheres afegãs sejam sacrificados em face dos interesses de outros.

 

Nós somos poderosas, nós mulheres, nós temos poder. Prometam-me não o esquecer. Nos próximos seis meses, ou durante o próximo ano, informem-se sobre o que está a acontecer no país. Observem-nos. Pensem em nós. Juntas, podemos conseguir. Nestas duas últimas semanas, descobri as mulheres do mundo, finalizou a feminista afegã Mahbouba Seraj.

 

No sistema de mensagens da conferência, a mesma mensagem era espalhada. Várias mulheres de diversos países, que assistiam, mandavam mensagem semelhantes: “As nossas lágrimas são coletivas”.

Artigo adaptado e traduzido de artigo originalmente publicado em rtbf.be Faire entendre les voix des femmes afghanes : “Promettez-moi de ne pas nous oublier” em 29.08.2021, por Camille Wernaers, pour Les Grenades

Conheça a posição da Rede Europeia de Mulheres Migrantes.

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