Engano, um poema sobre as mulheres
Engano
Engana-se quem pensa que o sexo
Não nos divide
Não nos limita
Não nos aprisiona a normas e a papéis que não queremos
Engana-se quem ache que a nossa sociedade não é
Sexista
Racista
Classista
Discriminatória
Violenta
Quando nem cidadãs somos no cartão da nossa identificação
Engana-se quem pensa que nós, mulheres, somos todas iguais
Porque engana-se a si mesma e engana as outras
Enganam-se as mulheres que saiem dos seus países para outros países
Em busca de melhores condições de vida ou de paz
Pensando que podem ser livres, que podem ser iguais
Engana-se quem ache que não há experiências e vidas
Marcadas pela constante discriminação
(como diz a nossa Constituição)
Com base no sexo, na raça, na língua, no território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual
Porque ainda nem todos os cidadãos ou cidadãs têm a mesma dignidade social
Engana-se quem entenda que somos iguais perante a lei
Quando essa lei é (ainda) feita maioritariamente por homens
À luz das suas limitadas experiências
De discriminação
De violência
E de sexismo
Engana-se quem aplica a Lei dita neutra
De forma neutra
Seja em razão do sexo, da idade, da raça, da etnia, da classe social, da deficiência
Porque a experiência que trouxe uma mulher ao tribunal não foi neutra
Foi sentida
Foi a sua
Porque se engana quem vive em democracia
Mas não vota, não elege
Famosa é a frase que importa ter sempre presente
“Quem adormece em democracia, acorda em ditadura”
Sim, queremos mais mulheres fazedoras de políticas
Mas queremos também mais políticas para as mulheres
Feitas à luz das experiências das mulheres
De cada uma e de todas as mulheres
Engana-se quem ache que só é vítima de violência em relações de intimidade quem quer
E quem ache que as vítimas não sabem escolher os seus parceiros
Afinal, de quem é a culpa da violência – da vítima ou do agressor?
Engana-se o polícia quando recebe uma mulher violentada
E lhe diz:
Vá para casa que aquilo já lhe passa
Ele só é assim quando bebe mais do que devia
E lhe pergunta:
Porque é que andava sozinha naquela rua à noite?
Porque anda assim vestida – com decote e mini-saia?
Porque é que partilhou aquelas fotos, aqueles vídeos?
Engana-se a ou o Procurador
Quando propõe à vítima a suspensão provisória do processo
Retirando à mulher a sua veracidade
A sua experiência
A sua dor
Engana-se a ou o juiz
Quando desculpa o agressor
Justifica a agressão
E não aplica a pena devida
Ou suspende a execução da mesma
Porque não há nada pior do que um agressor livre
De julgamento e de culpa
E depois surgem as notícias
Homem assassina a ex-companheira
E falamos de homicídios
Porque temos medo de adjetivar socialmente o assassinato
É um femicídio!
É um assassinato que teve por base o sexo da vítima e do agressor
Não se engana quem mata e quem agride
Porque o faz com intenção
Não se engana quem ofende, violentamente, seja usando a sua voz ou a sua escrita
Porque o discurso de ódio sexista existe
Está presente sempre que uma mulher toma o espaço público
Está presente sempre que uma rapariga faz o que lhe apetece
Porque, afinal, o sexo
Divide-nos
Limita-nos
E aprisiona-nos a normas e a papéis que não queremos
Deixem-me acabar lembrando a minha avó e a minha mãe
Assinando
Alexandra Moura Silva
#ComONomeDasMulheres
#EmNomeDasMulheres
Vivam as mulheres!
Bem sentido! Obrigada Xana, por conseguires por em texto o que tantas vezes se sente, sem saber como descrever.