De 2015 a 2022 – Orçamentação para a igualdade no Orçamento do Estado: um trabalho em progresso

Como surge em Portugal

Em 2015, a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) apresentou o seu relatório sombra ao Comité da Convenção CEDAW chamando a atenção para a crise financeira que tinha atingido Portugal e que, aliada às políticas de austeridade em vigor desde 2011, tinham originado uma crise económica e social que comprometia os direitos humanos, económicos e sociais das mulheres, perpetuando e exacerbando as desigualdades entre mulheres e homens pré-existentes e criando novas. Nesse mesmo ano, a PpDM enviou 3 delegadas à CEDAW e uma das principais recomendações das ONGs de mulheres foi a incorporação do orçamento sensível ao género no Orçamento do Estado.

As delegadas da PpDM à 62ª Sessão CEDAW

Uma questão de Direitos Humanos das Mulheres

Nas suas Observações Finais, o Comité da CEDAW lembrou ao Estado Parte que, mesmo em tempos de restrições orçamentais e crise económica, deviam ser encetados esforços especiais para respeitar os direitos humanos das mulheres, sustentar e expandir o investimento social e a proteção social e empregar uma abordagem sensível ao género, dando prioridade às mulheres em situação de vulnerabilidade.

Audição no Parlamento e com o Governo

As Observações Finais foram traduzidas pela PpDM e teve lugar uma audição no Parlamento a pedido da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM), na Sub-Comissão para a Iguadade e Não-Discriminação. Foram, também, enviadas ao então recém-eleito Governo português. Em paralelo, a PpDM alertava e sensibilizava para o desastroso subfinanciamento das organizações de mulheres em Portugal e da sua organização agregadora, a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres. Nesse seguimento, a Plataforma Portuguesa para os Direitos da Mulheres (PpDM) recebeu, pela primeira vez na sua história, uma subvenção do Estado, financiada pelos jogos sociais.

A PpDM foi também solicitada a prestar assistência técnica ao Estado Português na implementação de um projeto-piloto sobre a orçamentação com impacto de género no Orçamento do Estado.

A inscrição na Lei do OE de 2018 e o projeto-piloto em Portugal

Neste contexto, a orçamentação com impacto de género foi introduzida pela primeira vez na Lei do Orçamento do Estado para 2018, que estipulava que os departamentos governamentais deveriam preparar um relatório analisando o impacto de género das suas políticas setoriais, a fim de preparar o caminho para a orçamentação sensível ao género no Orçamento do Estado.

Lei do Orçamento do Estado n.º 114/2017, de 29 de dezembro – artº 17º, “Orçamentos com impacto de género“:

1 – Até ao final do 2.º trimestre de 2018, os departamentos governamentais enviam ao membro do Governo responsável pela área da cidadania e da igualdade um relatório estratégico referente à análise de género nas respetivas políticas públicas setoriais e a sua tradução na construção de orçamentos com impacto de género.

2 – Os relatórios referidos no número anterior constituem a base para a elaboração, até ao final do 3.º trimestre de 2018, de um relatório geral pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, nos termos a fixar por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da cidadania e igualdade.

3 – Até ao final de 2018, o Governo apresenta à Assembleia da República uma proposta de lei que institui um relatório anual sobre a implementação de orçamentos com impacto de género.

ENIND 2018-2030 e respetivo Plano de Ação para a Igualdade entre Mulheres e Homens

Tal estava em linha com os indicadores de política inscritos no então recém-adotado Plano de Ação para a Igualdade entre Mulheres e Homens da Estratégia Nacional para a Igualdade e Não Discriminação 2018-2030, e para a qual a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres tinha sido consultada e fornecido contributos. O processo foi politicamente liderado pela então Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, e pelo então Secretário de Estado das Finanças, João Leão, em estreita cooperação com a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) e a Direção-Geral do Orçamento (DGO).

O projeto-piloto envolveu sete Ministérios – Presidência e Modernização Administrativa; Finanças; Administração Interna; Justiça; Educação; Trabalho, Solidariedade e Segurança Social; Saúde -, cada um dos quais selecionou um conjunto limitado de medidas ou ações de políticas a serem submetidas à avaliação de impacto de género. Um workshop internacional foi organizado em junho de 2018 com o objetivo de fomentar a aprendizagem com as experiências de outros países.

Relatório Geral Orçamento com Impacto de Género – 5RS

O projeto piloto terminou com um relatório global estruturado em 5 capítulos:

  1. Realizações – as iniciativas legais, institucionais e processuais empreendidas;
  2. Realidade – análise atualizada da situação das mulheres e dos homens nas áreas políticas abrangidas pelo projeto-piloto;
  3. Representação – participação de homens e mulheres em cargos decisórios;
  4. Recursos e resultados – medidas de política analisadas no projeto-piloto, em relação à igualdade entre mulheres e homens, incluindo objetivos e montantes orçamentados;
  5. Recomendações – medidas e procedimentos necessários para assegurar um desenvolvimento progressivo, sustentado e consistente da orçamentação do género em Portugal.

Orçamento do Estado com impacto de género – Um Guia Metodológico para o Estado Português

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres desenvolveu um Guia Metodológico para o Estado Português que incluiu uma ferramenta para a análise de género do orçamento, através de um processo participativo com as funcionárias e os funcionários públicos (e em alguns casos assessores de gabinetes) nomeados pelos Ministérios.

Uma ação de formação de 21h

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres concebeu e ministrou uma ação de formação de 21 horas a 23 funcionárias e funcionários públicos.

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) foi solicitada a ministrar uma ação de formação de 21h ao Ministério da Defesa envolvendo os 3 setores das forças armandas, em março de 2022, tendo criado conteúdos especificamente adaptados ao setor da Defesa.

O INA – Direção Geral de Qualificação de Trabalhadores em Funções Públicas, tem ministrado formação em orçamento sensível ao género no âmbito de um protocolo com a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), recorrendo às formadoras da PpDM. A próxima ação está calendarizada para setembro de 2022: inscrições a decorrer!


O projeto-piloto pretendia servir de base para uma implementação progressiva da orçamentação sensível ao género.

Avanços mas com lentidão

O estipulado no nº 3 do artº 17º da Lei do OE de 2018 que previa que, até ao final de 2018, o Governo apresentaria à Assembleia da República uma proposta de lei que instituisse um relatório anual sobre a implementação de orçamentos com impacto de género não foi concretizado até hoje.

Em 2019 e 2020, as Leis do Orçamento do Estado estabeleceram que os orçamentos dos serviços e organismos públicos deviam incorporar a perspetiva de género, identificando os programas, atividades ou medidas a submeter à análise do impacto de género, mas não se registaram progressos significativos que sejam do domínio público e das organizações de mulheres em particular.

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres trabalhou na sensibilização dos meios de comunicação social, bem como com o Parlamento, e produziu ao longo do tempo várias posições e artigos (11.02.2022), (11.06.2021), (20.11.2020), (30.09.2020), (26.07.2020), (23.06.2020), (22.05.2020), (21.05.2020), (17.01.2020) (29.09.2019), entre outros.

Como resultado de todo este processo, a proposta de Orçamento do Estado para 2021 identificou, pela primeira vez, 8 objetivos, 25 indicadores e 19 medidas/ações concretas no contexto dos desafios estratégicos a que o Orçamento do Estado pretendia responder relacionados com as alterações climáticas, o desafio demográfico , a construção de uma sociedade digital e a redução das desigualdades.

A proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2022 inclui novamente um artigo sobre sobre esta matéria. O artigo 14º “Orçamento com perspetiva de género” afirma que “O orçamento dos serviços e organizações incorpora a perspetiva de género, identificando os programas, atividades ou medidas a serem submetidos à análise de seu impacto na consecução da igualdade entre mulheres e homens em 2022”.

Numa evolução positiva em 2022, refere ainda explicitamente dados desagregados por sexo: “No âmbito dos respetivos programas, atividades ou medidas desenvolvidas nos termos do número anterior, os serviços e órgãos publicam dados administrativos desagregados por sexo”. Tal está em consonância com a  Estratégia de Inovação e Modernização do Estado e da Administração Pública para 2020-2023, que estipula a incorporação da perspetiva de género como dimensão central dos modelos de gestão inovadores, assim como que todos os dados administrativos produzidos pela Administração Central são desagregados por sexo. 

A proposta do Orçamento do Estado – submetida à Assembleia da República a 13 de abril e ainda em fase de discussão – identifica para, este ano de 2022, 9 objetivos, 35 indicadores e 39 medidas/ações concretas no contexto dos desafios estratégicos a que o Orçamento do Estado pretende responder relacionados com: o combate às alterações climáticas (3 Objetivos, 8 Indicadores, 9 medidas/ações); o desafio demográfico (2 Objetivos, 9 Indicadores, 6 medidas/ações); a construção de uma sociedade digital (2 Objetivos, 7 Indicadores, 6 medidas/ações) e a redução das desigualdades (2 Objetivos, 11 Indicadores, 17 medidas/ações). Várias das medidas/ações mencionadas na proposta de Orçamento do Estado estão incluídas no quadro do Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal.

Intervenções no Conselho Económico e Social Português

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, na qualidade de Conselheira do Conselho Económico e Social (CES), tem também estado empenhada todos os anos na elaboração dos pareceres sobre o Orçamento do Estado daquela entidade. Neste contexto o parecer de 2022, entre outros, refere:

Os sucessivos adiamentos da orçamentação por programas não permitem reduzir a opacidade e complexidade da análise dos diversos instrumentos de planeamento financeiro do Estado Português e prejudicam a integração da perspetiva de género.

É de saudar o anúncio de uma nova publicação do “Guia para o Cidadão”,
com a síntese do OE 2022 numa linguagem acessível, de modo a informar o/a
cidadão/cidadã sobre as prioridades da política económica e orçamental e
esclarecendo o respetivo impacto no seu dia a dia. O CES aconselha que, em
próximos anos, seja dada visibilidade ao impacto desse mesmo orçamento na
realização da Tarefa Fundamental do Estado de promoção da igualdade entre
homens e mulheres (artigo 9, alínea d) CRP), em coerência com a
orçamentação com perspetiva de género, em vigor em Portugal desde a Lei
do Orçamento do Estado n.º 114/2017.

O CES congratula-se por verificar que a Proposta de Lei nº 4/XV/1ª inclui no artigo 14º o orçamento com perspetiva de género e que a avaliação prévia do impacto de género que a acompanha refere explicitamente que, tendo em vista a integração da perspetiva de género nas políticas públicas materializadas no Orçamento do Estado, e à semelhança do iniciado no Orçamento do Estado para 2021, integra-se no relatório anexo a esta Proposta de Lei um conjunto de indicadores em matéria de igualdade entre mulheres e homens, agora atualizados e alargados a outras áreas e medidas de política pública a executar em 2022, conforme o documento constante dos Elementos Informativos e Complementares — Orçamento com Perspetiva de Género. Este instrumento alicerça um processo de avaliação gradual dos progressos no âmbito da igualdade entre mulheres e homens, através do acompanhamento e da consolidação destes indicadores ao longo do tempo, revelando impactos, assim como a necessidade de intervenção nas políticas públicas.

O CES recorda que o Regulamento do Mecanismo de Recuperação e
Resiliência enfatiza que as mulheres foram particularmente afetadas pela crise
da COVID-19. O Mecanismo prevê especificamente que a igualdade de
género e a igualdade de oportunidades e a integração desses objetivos
deverão ser tidos em consideração e promovidos ao longo da preparação e
da execução dos planos de recuperação e resiliência. O CES enfatiza,
portanto, a importância de tornar evidente de que forma estas prioridades são
implementadas, monitorizadas e comunicadas à população, designadamente
na sua expressão orçamental no site Recuperar Portugal.

As 37 Reformas e 83 Investimentos em que se desdobra o PRR irão ser financiados na condição de serem cumpridos um conjunto de indicadores e metas acordados entre Portugal e a Comissão Europeia. O CES destaca as vantagens da publicitação regular da evolução destes indicadores e metas dos quais depende o desembolso dos financiamentos do PRR que somam 13,9 mil milhões de euros de subvenções (valor final em revisão) e 2,7 mil milhões de empréstimos até 2026. O CES defende que é fundamental que as verbas disponibilizadas no quadro do PRR sejam executadas, concretizando ações de transformação estrutural da economia e da sociedade portuguesas, promovendo a igualdade entre homens e mulheres de forma transversal. O funcionamento dos quatro níveis de coordenação no modelo de governação do PRR – 1) estratégico, 2) acompanhamento, 3) monitorização e 4) auditoria e controlo – bem como da Estrutura de Missão Recuperar Portugal, incluindo a divulgação de informação
sobre os investimentos durante toda a fase de execução, são, neste contexto, essenciais.

O CES sublinha os sucessivos adiamentos da Lei de Enquadramento
Orçamental e a importância da implementação da orçamentação por
programas que envolve a criação de um ciclo plurianual de
planeamento, programação, orçamentação, controlo e avaliação do
desempenho da atuação do Estado, sendo esta orçamentação por
programas um mecanismo fundamental para a plena ancoragem da
orçamentação com perspetiva de género. O CES destaca também a
situação anómala de estarmos há mais de dois anos sem Decreto-Lei de
Execução Orçamental.

Intervenção no Conselho Económico e Social Europeu (EESC)

Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) na reunião CAF do Comité Económico e Social Europeu, em Itália, a 10 de maio

A convite da Vice-Presidente do Conselho Económico e Social Europeu (EESC) e Presidente do Comité para os Assuntos Orçamentais e Financeiros (CAF) daquela organização europeia, a Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM), Ana Sofia Fernandes, foi uma das oradoras convidadas para a reunião extraordinária daquele Comité, no passado dia 10 de maio, conjuntamente com o Presidente do Comité FEMM do Parlamento Europeu, Robert Biedroń, uma representante da Unidade de Performance Orçamental e Mainstreaming de Políticas da Comissão Europeia Ioanna Kokkori, em representação do Chefe de Unidade Bernhard Windisch, a Chefe de Unidade da Divisão do Orçamento do Ministério de Economia e Finanças de Itália, Daniela Collesi, e uma perita independente Marion Böker.

O Comité Económico e Social Europeu pretende iniciar a implementação de um orçamento sensível ao género e quis ouvir o ponto de situação da implementação a vários níveis, tendo a Presidente da PpDM feito uma intervenção de cariz teórico e prático com base na experiência portuguesa, que pode ser consultada aqui. Consulte também as intervenções da representante do Ministério de Itália aqui, aqui e aqui, da Comissão Europeia e da perita independente.

Intervenção na EES Week 2022

Em fase de discussão do OE2022, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) organizou um evento, no passado dia 18 de maio, sobre orçamentar para a igualdade na qualidade de coorganizadora na ESG Week, uma iniciativa que promove o debate dos grandes temas da Sustentabilidade, enquadrados no domínio ESG – Environmental, Social, Governance, da responsabilidade da APEE – Associação Portuguesa de Ética Empresarial.

Ana Sofia Fernandes (PpDM), Ana Martinho (CIG), Luís Marvão (CIG)

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres foi convidada a fazer uma intervenção sobre orçamentos sensíveis ao género e sobre o projeto-piloto e os desenvolvimento em Portugal até ao momento. Assista à intervenção da Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, Ana Sofia Fernandes.

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