Contributos da PpDM para a nova Estratégia da Cooperação Portuguesa

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres saúda o Ministério dos Negócios Estrangeiros por identificar a igualdade de género e o empoderamento das mulheres e meninas como prioridade transversal à Cooperação Portuguesa.

O princípio da igualdade entre homens e mulheres é inerente ao conceito de que todos os seres humanos, independentemente do sexo, são livres de desenvolver as suas capacidades pessoais e de fazer escolhas sem as limitações impostas por estereótipos, por uma conceção rígida dos papéis das mulheres e dos homens e por preconceitos sexistas.

Nesse sentido, a igualdade entre mulheres e homens não pode apenas basear-se numa abordagem jurídica ou programática puramente formal pois tal não é suficiente para alcançar a igualdade de facto entre mulheres e homens, ou seja, a igualdade substantiva.

A igualdade substantiva, de acordo com a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), corresponde à igualdade que se verifica na vida real, ou seja a igualdade de resultados. Requer uma mudança estrutural e cultural das relações sociais de género, bem como a valorização política e social dos dois sexos. A igualdade substantiva vai para além das garantias legais de igualdade de tratamento, tomando particularmente em consideração o impacto das intervenções. Tal implica garantir que é dada igualdade de oportunidades às mulheres, para que as mulheres tenham acesso igualitário às oportunidades com reflexos concretos na obtenção de resultados iguais.

A intervenção direta ou indireta do Estado Português deve partir de uma avaliação sistemática da situação de jure e de facto das populações sobre as quais recaí a cooperação portuguesa. Essa avaliação deve partir de dados segregados por sexo e ter por base estudos e outros recursos de conhecimento; deve traçar o ponto de partida, definir meios e metas e estabelecer um ponto de chegada – idealmente cumprir o ODS 5, em particular as metas 5.1 e 5.2: eliminar todas as formas de discriminação e de violência contra as mulheres e alcançar a igualdade substantiva entre mulheres e homens.

Tal implica que sejam definidos planos de ação abrangentes bem como mecanismos de acompanhamento e de avaliação. Os planos de ação que venham a ser desenvolvidos no quadro da Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 devem assentar na abordagem dual que deve ser tida sempre em consideração na concretização efetiva da igualdade entre mulheres e homens – transversalidade ou mainstreaming de género e ações positivas.

O mainstreaming de género é um modus operandi e nunca uma ação isolada no tempo; é uma forma de olhar e de atuar sobre os projetos e medidas e seus impactos. Recorre a diferentes técnicas como: desagregação das estatísticas por sexo, orçamento sensível ao género, avaliação do impacto em função do género (ex-ante, ongoing e ex-post), análise de género, entre outras. É, assim, determinante que a Cooperação Portuguesa invista na formação de partes-chave assim como na aquisição, desenvolvimento e apropriação de ferramentas facilitadoras da concretização da igualdade entre mulheres e homens.

A proposta de Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 deve empenhar-se:

  • Na formação específica e abrangente sobre a igualdade entre mulheres e homens ao pessoal dirigente, técnico e voluntário tanto das entidades públicas envolvidas como das entidades privadas, com ou sem fins lucrativos, envolvidas;
  • No desenvolvimento e aplicação de ferramentas facilitadoras da tranversalização da igualdade entre mulheres e homens na Cooperação Portuguesa, como, por exemplo, nos Programas Estratégicos de Cooperação – exemplo, orçamento sensível ao género, avaliação de projetos na perspetiva daigualdade entre mulheres e homens, ferramenta de monitorização, formulários de candidaturas, etc.;
  • Na majoração de medidas, projetos, atividades desenhadas e implementadas por associações de mulheres, tanto portuguesas como dos países destinatários da Cooperação;
  • Na majoração de parcerias que integrem associações de mulheres portuguesas e/ou dos países destinatários da Cooperação;
  • Em medidas, projetos ou ações específicas dirigidas à prevenção e ao combate a todas as formas de discriminação e de violência contra as mulheres e raparigas;
  • Nos países destinatários da Cooperação, nomeadamente no âmbito dos Programas Estratégicos de Cooperação, identificar as reais barreiras no acesso das raparigas e das mulheres à educação e ao emprego digno e propor medidas/ações corretivas (por exemplo, medidas de apoio à articulação entre o trabalho e a vida familiar, instalações sanitárias adequadas para as raparigas nas escolas, entre outras);
  • No combate ao sexismo e aos comportamentos sexistas que são ainda praticados a nível individual, institucional e estrutural em todos os países, nomeadamente desenvolvendo códigos de conduta não sexista ou orientações sobre o sexismo aplicados/as a todas as entidades da Cooperação Portuguesa;
  • Considerar as mulheres e as raparigas com deficiência, as mulheres e crianças vítimas de tráfico e as mulheres e raparigas sexualmente exploradas como grupos mais vulneráveis (p. 20);
  • No desenvolvimento de capacidades em áreas como a justiça, a segurança e a defesa (p. 24) incluir formação e partilha de práticas no domínio da prevenção e do combate a todas as formas de violência contra as mulheres e raparigas;
  • No desenvolvimento de capacidades na área das finanças (p. 24) considerar formação em orçamentação sensível ao género;
  • No apoio à luta contra a pobreza, a inclusão e proteção social de grupos em situação de maior vulnerabilidade (p. 25), para além dos grupos referidos e das mulheres e raparigas com deficiência, desenvolver medidas / programas / projetos dirigidos às mulheres e crianças vítimas de tráfico e às mulheres e raparigas sexualmente exploradas;
  • No âmbito da Transformação Digital (pp. 27-28), assegurar que o acesso e a massificação digital não potencia a violência sexual contra mulheres e raparigas (nomeadamente por meio da pornografia e da partilha de imagens sexuais não consentida), através de formação e de orientações de combate à violência sexual no mundo digital;
  • No âmbito do Eixo 5. Reforçar a sustentabilidade e a resiliência, integrar quadros concetuais e práticos do ecofeminismo;
  • Na comissão de acompanhamento da Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030, integrar a CIG e associações de mulheres;
  • Por último, rever o texto da Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 integrando sistematicamente uma linguagem inclusiva e não sexista (exemplos: cidadãos, todos, peritos).

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