Carta conjunta da Brussels’ Call – Por uma Europa livre de exploração sexual | Proteger as mulheres e as crianças da exploração sexual agora e no futuro

Assunto: Carta conjunta da Brussels’ Call – Por uma Europa livre de exploração sexual | Proteger as mulheres e as crianças da exploração sexual agora e no futuro

Senhor Primeiro-Ministro, António Costa

Como seguramente é do seu conhecimento, a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) é a maior organização da sociedade civil portuguesa na área dos direitos humanos das mulheres e das raparigas. Conta atualmente com 28 organizações-membros, com uma grande diversidade de vocações e proveniências, todas empenhadas numa intervenção cívica concertada com vista à salvaguarda e exercício efetivo dos direitos humanos das mulheres e à realização concreta da igualdade entre mulheres e homens, raparigas e rapazes. A PpDM é também a coordenação nacional do Lobby Europeu das Mulheres (LEM), a maior organização de mulheres da UE, com mais de 2000 associações em todos os Estados Membros e 17 organizações europeias, que lutam por uma Europa feminista.

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres escreve-lhe para trazer à sua melhor atenção uma carta conjunta produzida pela Brussels‘ Call, uma estrutura de colaboração de dezenas de membros do Parlamento Europeu e de mais de 200 organizações da sociedade civil na qual a nossa Plataforma se insere, que trabalham em conjunto para combater a violência contra as mulheres e as raparigas com vista a acabar com o sistema da prostituição.

De acordo com o ACNUR, 4 milhões de pessoas já fugiram para a União Europeia e países vizinhos desde o início da guerra na Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, a maioria das pessoas em fuga são mulheres e crianças. Elas passaram por experiências traumáticas e receiam pelas suas famílias e pelo futuro do seu país. Estas pessoas estão numa situação de imensa vulnerabilidade e precisam da maior proteção possível.

Desde o início da guerra, no entanto, temos observado que há criminosos a abusar e a tirar partido da desesperada situação de mulheres e crianças em busca de refúgio.

Traficantes de seres humanos tentam prender e enganar mulheres e crianças durante a rota de fuga ou na chegada aos países da UE com ofertas duvidosas. As raparigas e as mulheres com deficiência também são alvos.

Nas fronteiras, estações ferroviárias e pontos de distribuição, têm ocorrido tentativas de recrutamento que apontam claramente para a acção de agentes do meio prostitucional. A Europol já havia alertado em 21 de março para o aproveitamento por parte das redes de tráfico humano estabelecidas da chegada de muitas potenciais vítimas às regiões fronteiriças do Leste e Sudeste da Europa para encaminhá-las para os países Ocidentais. Este tem sido um padrão bem conhecido de tráfico de seres humanos na Europa, não apenas desde o início da guerra na Ucrânia.

As atrocidades cometidas pelas forças armadas da Federação Russa e agora documentadas em Bucha, Irpin e noutras cidades são uma demonstração inequívoca do uso da violência sexual como arma de guerra. Mulheres e crianças, especialmente meninas, estão expostas a violência sexual sistemática. A violência deixa sequelas duradouras – físicas e mentais – e, portanto, coloca essas refugiadas em situação ainda mais vulnerável à exploração por predadores do comércio sexual. Além disso, a gravidez como consequência da violência sexual está a tornar-se outra ferramenta de controlo das mulheres refugiadas, igualmente desapossadas do seu direito à autodeterminação por governos que restringem o acesso ao aborto legal e seguro, e por oportunistas do comércio sexual.

O tráfico de seres humanos para exploração sexual é um problema bem conhecido e grave na União Europeia. Somente em 2017 e 2018, foram registadas mais de 14.000 vítimas de tráfico, 60% das quais foram vítimas de exploração sexual e, novamente, 92% foram mulheres.

Assim, o tráfico para exploração sexual é uma grande ameaça em todos os Estados-Membros para mulheres e crianças refugiadas. O tráfico de seres humanos é um problema transnacional e antecipamos que a atual situação conduzirá a mais casos e que as mulheres e crianças ucranianas serão em breve encontradas nos mercados de prostituição da Europa.

Em tempos de crise, são ainda mais evidentes as chocantes insuficiências e negligências do passado no combate ao tráfico de seres humanos e à exploração sexual.

O tráfico de seres humanos só pode ser eficazmente combatido se a procura pela prostituição em geral for reduzida. Onde o sistema de prostituição é legalizado e foi criada uma infraestrutura legal para exploração sexual, o negócio das mulheres como mercadoria floresce particularmente bem.

Apelamos, portanto, aos governos de todos os Estados-Membros da UE e à Comissão Europeia para que ajam agora e não permitam que os mais vulneráveis da sociedade, as mulheres e crianças refugiadas, as pessoas refugiadas com deficiência, sejam vítimas da negligência política do passado.

É necessária uma solução a longo prazo para combater de forma sustentável o tráfico de seres humanos e a exploração sexual na UE. Tal requer a cooperação determinada de todos os Estados-Membros.

Exigimos a harmonização da legislação sobre tráfico de seres humanos e prostituição na UE e a introdução do Modelo de Igualdade baseado no Modelo Nórdico.

Criminalização da compra de sexo e, assim, esvaziar os mercados de exploração sexual. A prostituição e o tráfico de seres humanos estão inextricavelmente ligados. Distinguir “clientes” entre aqueles que conscientemente exigem prostituição de vítimas de tráfico e aqueles que usam a prostituição no “mercado legal” não funciona na prática. Qualquer procura por prostituição encoraja a exploração sexual.

Criminalização dos aproveitadores da prostituição que lucram financeiramente com o sofrimento das mulheres e crianças capturadas pelas suas redes criminosas.

Protecção das pessoas mais vulneráveis: estabelecer programas de saída para apoiar as mulheres que querem sair da prostituição e construir outras perspetivas. Fornecer um sistema de assistência funcional para as vítimas de tráfico.

Eliminação da cultura de mercantilização e objetificação dos corpos das mulheres.

Redução da pobreza e da exclusão social que forçam mulheres e crianças à prostituição.

E como medida imediata – Fazer tudo o possível para proteger as pessoas refugiadas da Ucrânia:

→ Informá-las sobre os seus direitos e para os perigos do tráfico de pessoas, permitir o acesso rápido ao mercado de trabalho regular, e das crianças às escolas, registar e verificar especialmente ofertas privadas.

→ Garantir que todas as pessoas, funcionárias da administração pública e de organizações humanitárias, que possam entrar em contato com pessoas refugiadas têm as competências e ferramentas adequadas ou sejam formadas de forma eficaz para identificar pessoas refugiados que são vítimas ou estão em risco de tráfico humano para exploração sexual.

A guerra na Ucrânia e a vulnerabilidade das mulheres refugiadas colocam em destaque as lacunas nas ações nacionais e da UE e dão-nos a oportunidade de colmatar insuficiências e agir corretamente – reconhecer os compradores de sexo enquanto perpetradores de violência e atuar de acordo.

Apelamos a que o Governo de Portugal defenda uma Europa na qual as mulheres, independentemente da sua nacionalidade, origem, deficiência, idade e nível educacional, possam exercer o seu direito a uma vida sem violência.

Neste contexto, a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) relembra ainda e propõe ao Governo Português a implementação da Proposta de Estratégia Nacional de Prevenção e Apoio à Saída do Sistema de Prostituição que apresentamos publicamente num Seminário em Lisboa, em outubro de 2021.

Esta Estratégia Nacional que inclui recomendações de políticas públicas estruturadas em 5 Eixos: Prevenção (10 medidas), Conscientização (12 medidas), Apoios e Serviços (16 medidas), Responsabilização (5 medidas), Valorização e Capacitação (4 medidas) teve por base, entre outros elementos, um Estudo-diagnóstico sobre as mulheres no sistema de prostituição em Lisboa, e foi desenvolvida no âmbito de um projeto com financiamento EEA Grants em parceria com uma organização norueguesa. O referido estudo integrou uma Comissão de Acompanhamento composta por representantes da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), Instituto da Segurança Social (ISS), Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP), Polícia Judiciária, Alto Comissariado para as Migrações (ACM), Direção-Geral da Saúde (DGS), Câmara Municipal de Lisboa, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Associação O Ninho, Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), Movimento Democrático de Mulheres (MDM) e EOS – Associação de Estudos, Cooperação e Desenvolvimento.

Estamos seguras de que a implementação de uma estratégia como a que propomos ao Governo de Portugal que V. Exa. superiormente coordena se traduziria num contributo de extrema importância para a efetivação dos Direitos Humanos no nosso país.

Convictas de que este grave assunto lhe merecerá a sua melhor atenção, Senhor Primeiro-Ministro, remetemos-lhe as nossas cordiais saudações feministas.

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