Prostituição | Carta às Eurodeputadas e aos Eurodeputados

Em 27 de junho, o Comité FEMM votou favoravelmente o relatório INI  Regulation of prostitution in the EU: its cross-border implications and impact on gender equality and women’s rights. Graças a este resultado positivo, o texto será apresentado ao conjunto de eurodeputadas e de eurodeputados durante a sessão plenária de setembro, e precisamos que faça deste voto outro momento crucial com vista à justiça e à proteção das mulheres e das raparigas aprisionadas na violência sexual e na exploração em toda a Europa.

Enquanto membro de uma coligação de mais de 120 organizações abolicionistas que trabalham com sobreviventes e lutam pelos seus direitos, é de suma importância para nós ver este relatório de iniciativa aprovado pelo Parlamento Europeu, especialmente pelos seguintes motivos:

Votar a favor deste relatório é um ato democrático de proteção das mulheres em situação de prostituição. Efetivamente, apesar de algumas pessoas tentarem definir a prostituição como uma forma de “trabalho” – seja por negação, seja para obter lucros enquanto terceira parte – inúmeros testemunhos de sobreviventes comprovam que a prostituição é intrinsecamente violenta, sexista e racista. É uma forma de violência que afeta desproporcionalmente mulheres e raparigas, que representam 90% das pessoas na prostituição.[1] As mulheres migrantes estão especialmente expostas a esta forma de violência, representando em média de 70 a 80% das pessoas na prostituição nos países europeus[2]. É importante sublinhar mulheres e raparigas porque, mundialmente, 75% das mulheres na prostituição têm entre 13 e 25 anos[3]. Além disso, várias organizações[4],[5] publicaram relatórios nacionais que evidenciam que a maioria das mulheres na prostituição sofreu violência sexual antes de entrar na prostituição. Considerando todos estes elementos, devemos reconhecer que a prostituição está longe de ser uma escolha e representa nada mais do que a exploração da precariedade económica e social de mulheres em situação de vulnerabilidade, que deixariam a prostituição se realmente tivessem uma escolha.[6]

Votar a favor deste relatório é votar contra o tráfico de seres humanos. A prostituição alimenta o tráfico de seres humanos. 51% dos casos de tráfico na União Europeia têm como objetivo a exploração sexual, sendo que as mulheres e raparigas representam 87% dessas vítimas. A Comissão Europeia reconhece que entre os setores de alto risco para a exploração sexual, estão a “prostituição, agências de acompanhantes, bem como a indústria da pornografia”.

Votar a favor deste relatório é votar a favor da legislação que melhor protege as sobreviventes. Este relatório promove a adoção do Modelo Nórdico/Modelo da Igualdade como a melhor legislação contra a prostituição. O Modelo da Igualdade baseia-se nas experiências vividas pelas pessoas sobreviventes e é amplamente apoiado por elas. Não estigmatiza as pessoas na prostituição, pois descriminaliza essas pessoas, ao mesmo tempo que criminaliza os chamados “compradores de sexo” que infligem danos físicos e psicológicos. Além disso, oferece programas de saída e apoio (habitação, saúde, emprego) para as pessoas na prostituição, capacitando-as para construírem uma vida livre de violência e exploração.

Votar a votar deste relatório é votar por uma definição coerente de consentimento. A definição de consentimento proposta neste relatório insiste na necessidade de as partes envolvidas serem autónomas e livres de qualquer tipo de coerção, incluindo a financeira, ao dar o consentimento, uma vez que, como referido no texto do relatório, “o consentimento só pode ser dado livremente quando não há desequilíbrio de poder entre as pessoas envolvidas, e quando não há uso de ameaça, violência, engano e coerção, e que o consentimento obtido através da entrega ou recebimento de pagamentos ou benefícios é irrelevante“.

Votar a favor deste relatório é votar para cumprir com as nossas obrigações internacionais. De acordo com o Artigo 6 da CEDAW, o Artigo 9 do Protocolo de Palermo da ONU, e a Diretiva Anti-tráfico da UE 2011/36/EU, a UE e os seus Estados-Membros têm a obrigação de desencorajar a procura que promove o tráfico para a exploração sexual, bem como a obrigação de criminalizar todas as formas de lenocínio de acordo com a Convenção de 1949 das Nações Unidas.

Votar a favor deste relatório é votar a favor de uma sociedade mais justa e igual. A igualdade entre mulheres e homens não poderá ser alcançada enquanto se permitir que homens explorem, comprem e abusem livremente de mulheres e raparigas marginalizadas e em situação de vulnerabilidade em busca de lucro, e enquanto se promover uma cultura de mercantilização sexual de mulheres e raparigas em toda a sociedade. O modelo Nórdico/Modelo da Igualdade defende os valores fundamentais da UE de igualdade e justiça para as sobreviventes.

As vozes e as necessidades das sobreviventes estão no centro do Modelo da Igualdade. Apelamos a que vote por todas as sobreviventes: por aquelas que escaparam e por aquelas que continuam presas na violência sistémica e na exploração da prostituição, e que merecem um futuro melhor.

Renovando as nossas cordiais saudações feministas, contamos com o seu voto pelas sobreviventes,

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres

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A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) é a maior organização da sociedade civil portuguesa na área dos direitos humanos das mulheres e das raparigas. A Plataforma representa Portugal na Associação das Mulheres da Europa Meridional (AFEM), é membro da Fundação das Mulheres do Euro-Mediterrâneo, da Plataforma da Sociedade Civil Europeia contra o Tráfico de Seres Humanos e tem Estatuto Consultivo Especial junto do ECOSOC das Nações Unidas. A Plataforma constitui a coordenação nacional do Lobby Europeu das Mulheres (LEM), a maior plataforma de associações de mulheres da União Europeia (UE) que trabalha no sentido de promover uma Europa feminista, e do Conselho Internacional das Mulheres. A Plataforma gere o “Centro Maria Alzira Lemos | Casa das Associações” e é composta, atualmente, por 29 organizações que representam as mulheres na sua diversidade. Organização declarada de Utilidade Pública.

[1]  Sexual Exploitation and Prostitution and its Impact on Gender Equality, Estudo do Parlamento Europeu 2014, p. 37; Ver também final_en_brussels_call_briefing_paper.pdf (womenlobby.org)

[2] Monica O’Connor, The Sex Economy, Agenda Publishing 2018 p. 18-19; ver também final_en_brussels_call_briefing_paper.pdf (womenlobby.org)

[3] Sexual exploitation and prostitution and its impact on gender equality (europa.eu)

[4] Rapport_Comité_2emepartie (fondationscelles.org)

[5] Prostitution as a result of child abuse – Hope for the Future

[6] Immigrant Council of Ireland: Interim Report

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