Carta à Presidência belga sobre a diretiva relativa ao combate à violência contra as mulheres

Paul Van Tigchelt, Ministro da Justiça,
C/C Sr. Willem van de Voorde, Representante Permanente da Bélgica junto da UE

Lisboa, 30 de janeiro de 2024

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) vem contactá-lo na qualidade de coordenação em Portugal do Lobby Europeu das Mulheres (LEM), a maior organização de associações de mulheres da UE, no contexto das recentes notícias sobre as difíceis negociações da Diretiva sobre a violência contra as mulheres e a violência doméstica.

Os membros do Lobby Europeu das Mulheres em toda a Europa, tal como nós, a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, estamos indignadas com a vergonhosa decisão do Conselho da UE, liderado pela Presidência belga, de persistir em bloquear uma definição de violação baseada no consentimento (baseada nos padrões da Convenção de Istambul) na proposta de Diretiva.

Embora reconheçamos que a Presidência belga poderá ter tentado de forma extensiva salvar o artigo sobre uma definição de violação baseada no consentimento na Diretiva antes do fim do mandato político, estamos extremamente desapontados com este resultado e consternadas com o impacto negativo que esta decisão terá na vida das mulheres e raparigas.

Há ainda 15 Estados-Membros da UE que têm definições de violação que não cumprem as da Convenção de Istambul, não oferecendo proteção adequada às vítimas de violação (ver a análise do LEM sobre a violação e sobre o valor acrescentado do artigo 5.º aqui).

Apesar dos apelos persistentes das organizações de mulheres e de sobreviventes, de cidadãs e de cidadãos e de juristas, o Conselho da UE decidiu desiludir todas as mulheres e raparigas não as protegendo de um dos crimes mais hediondos de violência sexual e violação.

A inaceitável escolha política da Alemanha e da França, em particular, suscita preocupações quanto à Presidência belga do Conselho da União Europeia e ao seu empenho no combate à violência contra as mulheres e também em garantir os direitos das mulheres.

A vossa ação e liderança são mais do que nunca necessárias para que seja feita justiça a todas as vítimas e sobreviventes da violência contra as mulheres. Por conseguinte, exortamos a Presidência belga a fazer tudo o que estiver ao seu alcance nas próximas semanas para assegurar melhorias significativas nas últimas fases de negociação. Apelamos à Presidência belga para que chegue a acordo sobre as propostas e linhas vermelhas do Parlamento Europeu sobre a prevenção dos crimes de violência contra as mulheres e raparigas, incluindo a violência sexual, sobre a proteção e intervenção precoce, sobre o apoio especializado às vítimas e à ação penal, sobre o acesso à justiça e à reparação, bem como sobre a recolha de dados.

Embora nos congratulemos com a inclusão do casamento forçado e da mutilação genital feminina na diretiva, consideramos que ter uma diretiva sobre a violência contra as mulheres que – no âmbito da base jurídica sobre “exploração sexual” – considera apenas a harmonização destes dois crimes não é uma boa escolha política, pois pode ser erradamente interpretada pelas forças de extrema-direita como uma vitória, pois podem considerar que a violência contra as mulheres é algo que acontece fora da UE, quando sabemos que isso não é de todo verdade.

Tendo em conta a posição progressista que a Bélgica assumiu durante as negociações sobre o projeto de diretiva, em particular sobre o artigo 5º, acreditamos que a Presidência belga está bem posicionada para chegar a um acordo durante a sua presidência sobre um ato legislativo forte, refutando quaisquer outras tentativas de enfraquecer a proteção de todas as mulheres, com especial atenção às mulheres mais vulneráveis e em risco de revitimização repetida (proposta do Parlamento Europeu sobre o considerando 29, artigo 13.5; artigo 28.1, artigos 35 e 36.4).

Neste sentido, é também com grande decepção que tomamos conhecimento da não inclusão dos artigos relativos ao assédio sexual no local de trabalho e o artigo sobre a esterilização forçada, que são aspetos fundamentais da proposta do Parlamento Europeu e que são objeto de forte exigência por parte das organizações de mulheres, dos sindicatos e das organizações de deficientes. É urgente reintegrar estes aspetos na negociação do texto.

Uma implementação adequada da diretiva, sensível às questões de género, é absolutamente essencial para a proteção eficaz das mulheres e raparigas, que deve ser assegurada por serviços especializados. A este respeito, é da maior importância o reconhecimento, na diretiva, do papel crucial e da competência das organizações de mulheres no combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica e na prestação de apoio especializado (proposta do PE ao artigo 37a e considerando47). A definição de uma abordagem sensível ao género (considerando 23c da proposta do Parlamento Europeu) é fundamental para a aplicação adequada da diretiva na UE e é uma lição retirada da avaliação da aplicação da Convenção de Istambul e dos efeitos negativos de uma abordagem neutra em termos de género (Ver aqui o relatório de avaliação do LEM).

Apelamos aos Estados-Membros para que garantam o pacote mais sólido de direitos das vítimas – que esteja à altura das normas da Convenção de Istambul e o atualize – em matéria de denúncia, investigação, avaliação individual e intervenção precoce; mecanismos de proteção, monitorização eletrónica e ordens de restrição; serviços de apoio especializado às vítimas de todas as formas de violência contra as mulheres e suas filhas e filhos, e medidas adequadas para garantir o acesso à justiça e reparação/compensação para evitar novas revitimizações e violência institucional.

Reconhecemos que um dos aspetos mais importantes da diretiva é o quadro jurídico proposto para abordar as principais formas de ciberviolência contra as mulheres. As definições em vigor devem ser eficazes para garantir que não haja lacunas. A ciberviolência deve, por conseguinte, ser considerada de forma extensa e abrangente, assegurando o maior âmbito de proteção em todas as áreas do espaço digital e não deve ser condicionada a qualquer forma de referência à “liberdade de expressão/liberdade artística”.

O capítulo sobre medidas preventivas deve absolutamente abordar as causas profundas da violência contra as mulheres e reconhecer o papel crucial das organizações de mulheres na sensibilização e na educação sexual feminista e na informação sobre o consentimento, a reciprocidade e o livre arbítrio nas relações sexuais e afetivas.

Consideramos que a inclusão de uma cláusula de revisão é fundamental para garantir o alargamento do âmbito da diretiva num futuro próximo, de modo a que a violência sexual seja abrangida de acordo com a base jurídica existente (pode encontrar aqui a nossa carta assinada por mais de 140 pessoas especialistas juristas sobre a base jurídica). É também da maior importância para a adequada implementação e revisão da diretiva, a nomeação de uma pessoa enquanto coordenadora da UE para a violência contra as mulheres que possa liderar o processo (proposta do PE sobre o artigo 43.2).

Enviamos mais uma vez as prioridades do LEM para as negociações do trílogo que desenvolvemos no início da fase do trílogo.

Por último, estamos estão extremamente desapontadas com o facto de a reunião informal crucial de Ministras e de Ministros da Justiça, que teve lugar em 26/01 e foi liderada pela Presidência belga não incluiu a Diretiva relativa ao combate à violência contra as mulheres entre as suas prioridades. Encontra, aqui, uma declaração a este respeito.

Confiamos na vossa capacidade para reconduzir a situação e concluir as negociações com vista a uma diretiva que torne a Europa um lugar mais seguro para todas as mulheres e raparigas.

Cumprimentos,

Ana Sofia Fernandes, Presidente da PpDM

Mary Collins, Secretária-Geral do LEM

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