Aconteceu: Seminário Interseções: Igualdade entre Mulheres e Homens e Educação para o Desenvolvimento
Aconteceu a 27 de abril de 2022 o Seminário Interseções: Igualdade entre Mulheres e Homens e a Educação para o Desenvolvimento, no Auditório Camões – Instituto da Cooperação e da Língua. Este seminário teve por finalidade lançar publicamente o Recurso elaborado em parceria pela Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, Graal e Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo.
Contámos com sessões de abertura e encerramento, uma comunicação de enquadramento centrada na perspetiva feminista do Desenvolvimento, a apresentação do recurso e a identificação de mais-valias do recurso para a Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED, 2018-2022).
Sessão de abertura
Cristina Moniz, Vice-Presidente do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua deu as boas-vindas referindo:
“A igualdade de género constitui um dos aspetos mais firmemente ancorados na Agenda 2030 e apesar do progresso importante dos últimos anos, o caminho para a igualdade continua a enfrentar profundos desafios. A pandemia trouxe constrangimentos adicionais (…) que incluem, entre outros, a discriminação interseccional, especialmente para mulheres com deficiência e mulheres ciganas, as ameaças contra a saúde e direitos sexuais e reprodutivos e o assédio e a violência. Importará promover uma abordagem transversal, transformadora, integrada e interseccional, tendo em vista mudanças nas atitudes sociais, colocando as e os jovens como promotores dessas mudanças: e é aqui que a educação para o desenvolvimento desempenha um papel chave e decisivo. Permitam-me concluir referindo o forte compromisso da Cooperação Portuguesa com os ODS e que a ambição é contribuir precisamente para um mundo em que a igualdade e a inclusão não sejam meras intenções, mas verdadeiras concretizações.”
António Leite, Secretário de Estado da Educação, mostrou-se muito entusiasmado e comprometido com a realização da igualdade entre mulheres e homens na educação, referindo
“Numa iniciativa semelhante, onde estava presente a Ministra do Trabalho na saudação inicial, e eu saudei-a (…) e aí ocorreu-me que, nos nossos dias e no nosso país tornou-se normal nós saudarmos as Senhoras Ministras, as Senhoras Secretárias de Estado, a Senhora Procuradora-Geral da República (…) e se estas saudações se tornaram normais foi porque se tornou normal que mulheres passassem a ocupar estes espaços e tantos outros que aqui nós poderíamos enumerar. Mas também me lembrei de como em muitas outras zonas do planeta, algumas bem perto de nós, é verdadeiramente um interdito usar estas expressões, porque elas não correspondem a nada que exista na realidade, porque não há mulheres a desempenhar esses cargos. Muitas destas expressões são até proibidas, blasfémias. Mas também me fui lembrando que provavelmente muitos dos que usam essas expressões no nosso país sentem a algum travo a usá-las. E isso é o mais difícil de combater. Temos de pensar nesse aspeto também quando educamos os jovens. Todos notam quando temos órgãos de direção, muitas vezes de setores públicos, unicamente constituídos por mulheres. Quando isso acontece, isso é sempre notado. Mas ao longo de décadas e de séculos nunca foi notado quando apenas homens ocupam todos esses órgãos. (…) Sendo professor, que essa é a minha profissão, e usando a língua quer como instrumento de trabalho, quer como objeto de trabalho, tenho bem noção de como as palavras são poderosas. É com as palavras que nós invocamos. As palavras traduzem relações de poder. Porque é que é gramaticalmente está certo dizer boa tarde a todos? Se nesse todos, podemos ter 499 mulheres e 1 homem? (…) Nós aceitamos implícita ou explicitamente que um homem vale mais do que uma mulher. No nosso sistema gramatical, um homem vale por um número infinito de mulheres. (…) Quero deixar-vos ficar com uma palavra de esperança. Mesmo nas situações mais difíceis, mesmo quando nos dizem que está tudo feito. Temos de continuar a avançar. A nossa voz, e a vossa voz, será certamente a voz de muitos, e sobretudo de muitas. Tenho profundo reconhecimento pelo vosso trabalho, e uma grande esperança. Mais direitos e melhores direitos serão garantidos a todos e a todas.”
Francisco André, Secretário de Estado para os Negócios Estrangeiros e Cooperação, lamentando não poder estar presente, enviou uma mensagem de vídeo, destacando nesta que o seminário
“reúne dois dos temas prioritários para Portugal, tanto no plano interno como no plano externo, e que são a promoção da igualdade de género e a educação para o desenvolvimento. (…) Infelizmente os direitos das mulheres e das raparigas têm conhecido revesses significativos. Frequentemente mulheres e raparigas são vítimas de formas múltiplas de discriminação e de violações dos seus direitos humanos.”
Veja na íntegra a mensagem vídeo:
Sara Guerreiro, a então Secretária de Estado para a Igualdade e Migrações, lamentando também não poder estar presente, enviou uma mensagem vídeo, onde destaca
“a importância da educação para o desenvolvimento que trabalha questões transversais ao desenvolvimento, proteção dos direitos humanos, promoção de uma cultura de paz, democracia, da justiça social, interculturalidade, não discriminação e igualdade de género.”
Veja na íntegra a mensagem vídeo:
Ana Sofia Fernandes, Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, referiu o contexto no qual o projeto Interseções se integra, nomeadamente na Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED), 2018-2022, na Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não-Discriminação (ENIND), 2018-203 e na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC).
“Todos estes são instrumentos de políticas públicas de particular relevo para as áreas governativas envolvidas, designadamente, Educação, Igualdade entre Mulheres e Homens e Negócios Estrangeiros e Cooperação. (…) São também instrumentos de particular relevo para as organizações da sociedade civil que trabalham pela realização da igualdade entre mulheres e homens – área transversal a todos os domínios da via e, por consequência, a todos os domínios de política, de acordo com o comando Constitucional e promoção da igualdade entre mulheres e homens.”
Leia a comunicação de Ana Sofia Fernandes na integra aqui.
Intervenção de enquadramento
Charo Móran foi a convidada de destaque no Seminário tendo feito uma comunicação em torno de reflexões feministas sobre o desenvolvimento. Nesta intervenção referiu a crise muldimensional em que vivemos, nomeadamente as crises climática, de recursos, de biodiversidade, de desigualdade, económica e dos cuidados, qua afetam desproporcionalmente as mulheres. Referiu os 4 Rs dos cuidados:
- Reconhecer o trabalho dos cuidados não ou mal remunerado, realizado predominantemente por mulheres e raparigas
- Reduzir o número de horas dedicadas ao trabalho dos cuidados, melhorando o acesso a equipamentos de qualidade e a infraestruturas de apoio aos cuidados
- Redistribuir o trabalho não remunerado dos cuidados nas famílias e passar a responsabilidade para o Estado e para o setor privado
- Representar as prestadoras de cuidados que têm estado excluídas, garantido que sejam tidos em consideração os seus pontos de vista no desenho e implementação de políticas, sistemas e serviços que afetam as suas vidas.
Charo Móran destacou os ecofeminismos como movimento que denuncia uma ordem cultural (o patriarcado) e uma ordem económica global que sustenta, inviabiliza, despreza, viola e se apropria do trabalho de cuidar da vida humano, realizado principalmente por mulheres, e do trabalho da própria natureza, sendo ambos aqueles que nos permitem sobreviver. A proposta ecofeminista coloca a vida dos seres humanos e do próprio planeta no centro das políticas, sabendo-se que não haverá justiça ambiental e social se não existir justiça para as mulheres e raparigas.
Leia na integra a comunicação de Charo Móran.
O recurso Interseções
Este painel teve a moderação de Natividade Coelho da CIG. O recurso foi apresentado pelas várias autoras com diferentes abordagens.
Teresa Alvarez, da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, referiu que o recurso que se apresenta vem responder a uma das recomendações levantadas pela avaliação intermédia da ENED, em concreto a do cruzamento entre as diferentes áreas de intervenção representadas e entre a ENED e outros planos ou instrumentos de política pública nacionais que privilegiam a educação. Foram destacados 4 aspetos:
- a missão da própria CIG que tem o papel de mobilizar organismos públicos para integrarem a igualdade entre mulheres e homens no serviço público que prestam à sociedade portuguesa. Ou seja, transversalizar na atuação do Estado a igualdade entre mulheres e homens, sendo esta igualdade transformativa: no modo como pensamos e olhamos para a realidade, desocultando o invisível, na capacidade de olhar e nos prismas de onde se olha, e assim mudar o modo como agimos sobre a realidade, transformando os critérios que nos permitem avaliar processos, efeitos, resultados e impacto do que se faz
- a importância do conhecimento científico, técnico e institucional que tem permitido a desolcultação do marginal, do silenciado, do subvalorizado, nomeadamente do como, quando e do quê das mulheres
- a educação é uma das áreas principais de intervenção da CIG, de forma consistente, atenta aos contextos e às necessidades de quem trabalha no sistema educativo – as e os profissionais de educação. Com o objetivo de integrar, e não acrescentar, a igualdade entre mulheres e homens na educação, quer no conhecimento que se constrói quer no desenvolvimento pessoal e social de raparigas e rapazes
- o caminho que foi feito pelo projeto ainda não terminou, e terá continuidade num futuro próximo, no quadro da ENED e de todas as outras Educações para e que se cruzam com a Educação para a Igualdade entre Mulheres e Homens.
Alexandra Silva, da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, referiu que há uma consciência crescente de que a educação é um dos meios mais valiosos para se alcançar a igualdade entre mulheres e homens e a realização efetiva e substantiva das mulheres, isto é, a igualdade firmada em direitos e realizada na vida. Por um lado, a educação não discriminatória beneficia tanto raparigas como rapazes, conduzindo a relações mais igualitárias entre mulheres e homens. Por outro lado, a Educação para o Desenvolvimento constitui uma poderosa ferramenta para desconstruir estereótipos e para combater e prevenir todas as formas de discriminação, nomeadamente em razão do sexo. Assim, o recurso Interseções procura contribuir para a tomada de consciência sobre a condição, o papel e o contributo das mulheres, e dos homens, para a sociedade, promovendo, através de exemplos de propostas educativas e do trabalho prático, a igualdade, a cooperação, o respeito mútuo e a corresponsabilidade entre raparigas e rapazes.
Leia na integra a comunicação de Alexandra Silva.
La Salete Coelho fez a apresentação do recurso que é constituído fundamentalmente por 3 partes:
- o contexto, de onde surge e o seu enquadramento legal, importância das temáticas e a escrita a várias mãos (a diversidade da criação que pode potenciar a diversidade na aplicação)
- parte I: interseções temáticas, que parte do Referencial de Educação para o Desenvolvimento e dos 6 temas, a saber Desenvolvimento, Interdependências e globalização, Pobreza e desigualdades, Justiça Social, Paz e Cidadania Global, cruzados com as temáticas da igualdade entre mulheres e homens, numa perspetiva mais teórica
- parte II: 6 propostas educativas, construídas com base em 3 etapas: olhar e ver, tomando consciência de um problema a diferentes níveis (local, regional e mundial); aprofundar a compreensão do problema, alargando o conhecimento, identificando e refletindo sobre as raízes do problema; e pensar e assumir compromissos com a transformação – mudar o modo como se pensa (perspetiva) e agir.
Para saber mais, leia na integra a comunicação de La Salete Coelho e leia o Recurso Interseções: Igualdade entre Mulheres e Homens e a Educação para o Desenvolvimento.
Mesa redonda: mais-valias do recurso para a ENED
Moderada por Stéphane Laurent, do CIDAC, esta mesa redonda teve por finalidade apresentar uma perspetiva mais distante e critica sobre o recurso.
Maria José Neves, da Direção-Geral da Educação, destacou o processo de construção do recurso, que apresenta uma dupla valência: reuniu uma entidade pública e uma entidade da sociedade civil das ESPAS (Entidades Subscritoras do Plano de Ação da ENED) – ou seja, o trabalho colaborativo que é prática da ENED está aqui consubstanciado; é um recurso multidimensional, tendo perspetivas muito abertas de questionamento com vista a ação futura. Tem propostas metodológicas potenciadoras do envolvimento de discentes, com um papel muito ativo na aprendizagem. E cruzam muitas temáticas variadas presentes na Educação para a Cidadania.
Luciana Almeida, da PPONGD, referiu o trabalho que a sociedade civil, em particular ONGD, faz em matéria da Educação para o Desenvolvimento, que é sempre um trabalho muito transversal, multisetorial. Este é um recurso que pode ser utilizado por toda a esfera de intervenção em ED.
“É um recurso que cria conhecimento. Vem acrescentar novos conteúdos e novas perspetivas às temáticas de ED. (…) A ED procura dar resposta às causas dos problemas que existem e com este recurso nós sentimos isso. Tem um efeito multiplicador importante. (…)São as organizações da sociedade civil que estão na linha da frente, que têm que encontrar soluções e ferramentas para poderem agir.”
Teresa Joaquim, da Universidade Aberta, salientou que desde há muito tempo que se esperava este encontro entre a educação para o desenvolvimento e a igualdade entre mulheres e homens, entre diferentes movimentos sociais. A importância da visibilidade de movimentos sociais, em particular dos feminismos. O recurso pode ser muito útil até no contexto do ensino universitário pois junta questões do desenvolvimento e as questões das mulheres. Referiu, por último, que a intersecionalidade não é uma fraqueza, mas sim uma fonte de mudanças sociais emancipatórias.
Sessão de encerramento
Manuel Albano, Vice-Presidente da CIG, salientou:
“Este projeto foi acarinhado pela CIG desde o seu início, enquanto instituição pública que trabalha as questões da promoção da igualdade entre mulheres e homens e da não-discriminação. (…) Será certamente um recurso essencial nesta Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento, mas, também, nas estratégias nacionais com as quais ela própria interseciona. O recurso terá de ser apropriado por cada um/a de nós e por cada um/a dos/as docentes, que terá a capacidade de, no seu espaço de ação, desenvolvê-lo, o que o poderá levar à transformação. Devemos ter a capacidade de ter um forte sentido de espírito crítico para todas as ações que desenvolvemos. Trabalhar a igualdade, este conceito tantas vezes complexo de apropriação individual e coletiva, é um momento constante de construção e desconstrução. O mainstreaming de género está claramente patente neste recurso. Temos de transversalizar este recurso. Muito obrigada a todas pelo trabalho efetuado, que sei que foi árduo. É isto também que nos conforta.”
Ana Sofia Fernandes, Presidente da PpDM, terminou o seminário agradecendo a todas as pessoas envolvidas.
Veja o vídeo do Seminário Interseções
#InterseçõesIMHED #ENED