30 de julho: Dia internacional de combate ao tráfico de seres humanos

O tráfico de seres humanos é uma realidade com um impacto económico comparável ao do tráfico de armas e de droga. Estima-se que por ano sejam traficadas milhões de pessoas em todo o mundo.

Enquadramento legislativo e político

Diretiva n.º 2011/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas disponível em português aqui.

Desde logo se ressalva que:

O tráfico de seres humanos constitui um crime grave, cometido frequentemente no quadro da criminalidade organizada, e uma violação grosseira dos direitos humanos fundamentais expressamente proibida pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A prevenção e o combate ao tráfico de seres humanos constituem prioridades da UE e dos Estados-Membros.

(…) A presente diretiva reconhece que o tráfico é um fenómeno com aspetos específicos conforme o sexo e que os homens e as mulheres são objeto de tráfico para diferentes fins. Por este motivo, as medidas de assistência e apoio deverão ser diferenciadas por sexo, sempre que oportuno. Os fatores de «dissuasão» e «incentivo» podem ser diferentes conforme os sectores em questão, como seja o tráfico de seres humanos na indústria do sexo ou para exploração laboral, por exemplo, na construção civil, na agricultura ou no trabalho doméstico.”

Artigo 160º do Código Penal – Tráfico de pessoas:

“1 – Quem oferecer, entregar, recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de exploração, incluindo a exploração sexual, a exploração do trabalho, a mendicidade, a escravidão, a extração de órgãos ou a exploração de outras atividades criminosas:
a) Por meio de violência, rapto ou ameaça grave;
b) Através de ardil ou manobra fraudulenta;
c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica, de trabalho ou familiar;
d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima; ou
e) Mediante a obtenção do consentimento da pessoa que tem o controlo sobre a vítima;
é punido com pena de prisão de três a dez anos

Lei n.º 60/2013. D.R. n.º 162, Série I de 23 agosto, que procede à 30.ª alteração ao Código Penal e que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2011/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à proteção das vítimas.

V Plano de Ação para a Prevenção e o Combate ao Tráfico de Seres Humanos 2018-2021 que refere:

“O tráfico de seres humanos constitui uma grave violação dos direitos humanos e assume -se como um dos principais desafios com que a sociedade moderna se depara. As suas causas estão desde há muito tempo reconhecidas ao nível da comunidade internacional, cujas raízes profundas são a vulnerabilidade causada pela pobreza, as desigualdades entre homens e mulheres e a violência perpetrada contra as mulheres, as situações de conflito e pós -conflito, a falta de integração social, a falta de oportunidades e de emprego, a falta de acesso à educação e o trabalho infantil, sendo este considerado, juntamente com o tráfico de drogas e o tráfico de armas, um dos mecanismos de criminalidade mais lucrativos da história contemporânea.

Concomitante à exposição a determinadas formas específicas de violência, como a exploração sexual, servidão doméstica e casamentos precoces, infantis e forçados, o tráfico de seres humanos tem afetado desproporcionalmente mais mulheres e raparigas, aliado às situações de maior vulnerabilidade e de discriminação múltipla a que estão sujeitas, desencadeando processos de exploração de natureza variada.”

Realidade

Na Europa, em 2018, mais de metade do tráfico de seres humanos foi para fins de exploração sexual (56% face a 21% para fins de exploração laboral e 18% para outros fins.

As mulheres são as principais vítimas de tráfico (68%), sendo o principal motivo a exploração sexual (95% das vítimas de tráfico para fins de exploração sexual são mulheres e raparigas).

Perto de metade das vítimas são cidadãs da União Europeia (em particular da Roménia, Hungria, Holanda, Polónia e Bulgária).

Em toda a Europa, entre 2015-2016, registaram-se apenas 2.927 condenações por tráfico, sendo que 75% das pessoas condenadas eram homens e 87% cidadãos da UE.[1]

Em Portugal, em 2019, foram sinalizadas 261 vítimas, sendo a maior parte traficadas para fins de exploração laboral.[2]

Será, no entanto, a realidade em Portugal e no resto da Europa diferente?

Não acreditamos que assim seja. O que se passa então em Portugal? São duas as principais razões que contribuem para o facto de serem sinalizadas e identificadas mais vítimas de tráfico para fins de exploração laboral do que sexual:

  • a sinalização das presumíveis vítimas acontece através dos OPC e das ONGs, sendo que os OPC acabam por sinalizar muito mais vítimas de exploração laboral do que exploração sexual – tal deve-se ao facto dos OPCs atuarem já com conhecimento dos casos, e muitas das vezes junto de explorações agrícolas onde encontram um número elevado de vítimas;
  • o tráfico para fins de exploração sexual destina-se às casas de prostituição e à prostituição de rua. E Portugal é um país tolerante ao sistema da prostituição, muito embora tenha inscrito no Código Penal a criminalização do lenocínio (Artigo 169º). Tal é evidenciado pelas estatísticas da justiça: entre 2010 e 2018, 693 pessoas foram condenadas pelo tráfico de seres humanos e lenocínio (em 2018 apenas 47 condenados).

Ação

Em Portugal existem 5 Centros de Acolhimento e Proteção a Vítimas de Tráfico de Seres Humanos: 2 para mulheres, 2 para homens e um para crianças. No conjunto, disponibilizam 45 vagas. Estes centros prestam os seguintes serviços: acolhimento; acompanhamento no processo de autonomização; apoio jurídico; apoio psicoterapêutico; apoio social; apoio médico; e formação profissional e integração no mercado de trabalho.

O Centro de Acolhimento e Proteção para Crianças Vítimas de Tráfico de Seres Humanos é da responsabilidade da nossa organização-membro Akto – Direitos Humanos e Democracia.

E existem 5 Equipas Multidisciplinares Especializadas Regionais (EME), responsáveis pela intervenção especializada em operações policiais, nos processos de sinalização, identificação, integração e capacitação das vítimas de tráfico de seres humanos.

A Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres tem trabalho no sentido de prevenir e combater o tráfico de mulheres e raparigas, em particular para fins de exploração sexual. Somos membros da Plataforma da Sociedade Civil Europeia de Combate ao Tráfico de Seres Humanos, sendo a nossa organização-membro Akto – Direitos Humanos e Democracia quem nos representa. Em 2017, elaborámos o manifesto Para uma Estratégia da UE pós-2016 para a erradicação do tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual por forma a contribuir para uma (nova) estratégia europeia neste domínio. Em 2020, essa estratégia ainda não foi definida, tendo a Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres sido convidada a enviar contributos para o Gabinete do Coordenador Europeu contra o Tráfico de Seres humanos.

Somos subscritoras e apoiantes do Apelo de Bruxelas Juntas por uma Europa livre de prostituição. Temos trabalhado para aumentar a consciencialização sobre a realidade da prostituição e a sua relação com o tráfico de mulheres e raparigas para fins de exploração sexual. Temos trabalhado no sentido de contribuir para a implementação de políticas abolicionistas do sistema da prostituição, visando o combate ao tráfico e a concretização dos direitos humanos das raparigas e mulheres.

No vasto quadro das suas atividades, temos vindo a desenvolver, desde 2019, o projeto EXIT | Direitos Humanos das Mulheres a não serem prostituídas, financiado pelos EEA Grants através do programa Cidadãos Ativ@s, que é gerido conjuntamente pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação Bissaya Barreto. Este projeto tem como parceiros, ao nível nacional, a Assembleia Feminista de Lisboa, a Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), a Associação Projecto Criar, Associação Ser Mulher, EOS – Associação de Estudos, Cooperação e Desenvolvimento, Associação O Ninho, Ergue-te Equipa de Intervenção Social, CIAF – Centro Integrado de Apoio Familiar, Mén Non – Associação das Mulheres de São Tomé e Príncipe em Portugal, Movimento Democrático de Mulheres, Rede de Jovens para a Igualdade e, ao nível internacional, a Kvinnefronten da Noruega.

Este projeto tem por objetivos:

  • Analisar o modo como se encontra organizado o sistema da prostituição em Portugal, apurar o que conduz as mulheres para a prostituição, a fim de identificar com rigor o tipo de serviços de que necessitariam para sair do sistema da prostituição e da situação de vulnerabilidade e exposição à violência de todo o tipo – sexual, física, psicológica, económica, social, de saúde, etc.;
  • Contribuir para a concretização de respostas de saída e para a organização de serviços de apoio às mulheres na prostituição, o que passa, também, pela promoção de formação específica para agentes policiais, profissionais de saúde, pessoal técnico de emprego e formação profissional e de serviço social;
  • Consciencializar e formar as e os jovens para vivências sexuais que se baseiem no respeito e no prazer mútuos, bem como alertar para os perigos da normalização da prostituição e informar sobre os benefícios do “modelo da igualdade/modelo nórdico” no que respeita à proteção das mulheres na prostituição e à realização da igualdade entre mulheres e homens, raparigas e rapazes. Mais informação no site de campanha do projeto.

A 29 de julho lançamos a campanha #SayNoToProstitution que visa contribuir para um debate público informado e consciente da necessária abolição do sistema da prostituição em Portugal, contribuindo para uma estratégia nacional que disponibilize programas de saída e de apoio para as pessoas no sistema da prostituição, combatendo o estigma social e erradicando a procura, através da penalização/criminalização da compra de sexo.

 

Acreditamos que uma ação determinada da UE e de Portugal centrada no tráfico para fins de exploração sexual contribuirá substancialmente para o fim desta generalizada violação dos direitos humanos e para difundir uma mensagem clara de que os seres humanos não estão à venda.

 

Para informação sobre o combate ao tráfico de seres humanos na União Europeia: Together Against Trafficking in Human Beings

Para informação sobre o combate ao tráfico de seres humanos em Portugal: Observatório do Tráfico de Seres Humanos

[1] Fonte: Factsheet 2018 “Stepping up action towardsthe eradication of TRAFFICKING IN HUMAN BEINGS”. Disponível aqui

[2] Fonte: Relatório Anual de Segurança Interna, 2019. Disponível aqui.

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