16 dias de ativismo: fim à violência masculina contra as mulheres e raparigas

Entre 25 de novembro (Dia Internacional pela Eliminação de Todas as Formas de Violência contra as Mulheres) e 10 de Dezembro (Dia Internacional dos Direitos Humanos) empreendemos 16 dias de ativismo para a eliminação de todas as formas de violência masculina contra as mulheres e raparigas.

Sim, é certo que pelo Mundo e em Portugal, os governos têm adotado uma variedade de medidas que visam combater a violência masculina contra as mulheres e raparigas, incluindo reformas legais, campanhas públicas de sensibilização, apoio financeiro a casas de abrigo e a serviços de apoio a vítimas.

Mas terão os nossos governos feito o suficiente para combater e eliminar todas as formas de violência masculina contra as mulheres e raparigas?

Uma investigação de 2013[1] revela que o fator mais importante e consistente das mudanças de políticas tem sido o ativismo feminista. Este ativismo desempenha um papel mais importante do que os partidos de esquerda, o número de mulheres no Parlamento ou mesmo a riqueza nacional. Os movimentos feministas robustos e vibrantes baseiam-se nas convenções e acordos internacionais e regionais como alavancas de influência ao desenvolvimento das políticas. Os movimentos feministas são indispensáveis à transformação das sociedades.

Apesar do crescimento dos recursos destinados a políticas promotoras da igualdade entre mulheres e homens, de políticas de prevenção e de combate à violência contra as mulheres e as raparigas, sabe-se que quando os financiamentos se destinam a organizações feministas acontecem as mudanças que contestam, combatem e eliminam as causas das desigualdades e da violência masculina contra as mulheres e raparigas.

Porém, dados da OCDE[2] revelam, por exemplo, que apenas 1% do apoio financeiro à cooperação e desenvolvimento em matéria de igualdade entre mulheres e homens se destina a organizações de mulheres.[3] Já nos anos 80, o Banco Mundial afirmava que todo e qualquer investimento em organizações de mulheres tinha um retorno muito grande. O que os movimentos feministas de mulheres precisam é de recursos que sejam significativos, ágeis, transversais em matéria de temáticas a abordar e de longo prazo.

Temos de ir para além dos compromissos, temos de agir! De acordo com o Índice de género dos ODS[4] em 2030 nenhum país alcançará a igualdade entre mulheres e homens. Portugal ocupa a 16ª posição, estimando-se alcançar 83%.

Apesar de todos os progressos alcançados, não há um único país no Mundo onde as mulheres e as raparigas vivem livres da violência masculina e não haverá até 2030!. Não há uma única área da vida das mulheres onde a violência masculina ou a ameaça desta não esteja presente.

A nossa consciência feminista – ou seja, a profunda consciência em matéria de direitos humanos – leva-nos a gritar e a exigir mais do governo, do parlamento, dos partidos políticos, do poder judicial, das forças de segurança, das autarquias locais, das instituições públicas e privadas, das nossas e dos nossos pares.

EXIGIMOS:

  • RESPONSABILIZAÇÃO SOBRE A VIOLÊNCIA MASCULINA CONTRA AS MULHERES E RAPARIGAS

Que passa pela nomeação clara e objetiva do sujeito das políticas de prevenção e combate à violência masculina: AS MULHERES E RAPARIGAS.

Em Portugal, estima-se que 1 milhão e meio de mulheres e raparigas com 15 e mais anos já foi vítima de violência física ou sexual (FRA, 2014).

Em 2018, 89% das vítimas de violação são mulheres e 100% dos violadores são homens; em 56% havia uma relação familiar ou de conhecimento entre vítima e violador e em apenas 1,4% o violador era desconhecido da vítima (RASI, 2019). Quanto à violência sexual infantil, em 2018, 79% das vítimas são meninas e 98% dos agressores são homens; em cerca de 70% dos casos, a relação entre vítima e agressor era familiar ou de conhecimento (vizinhos, amigos das famílias) (RASI, 2019).

Já no que respeita ao crime de violência doméstica, em 2018, registaram-se 25.217 mulheres vítimas face a 6.850 homens, e 25.947 homens arguidos face a 5.116 mulheres arguidas. 79% dos processos foram arquivados; dos que chegaram à condenação, 90% teve a pena suspensa na sua execução (RASI, 2019). Ou seja, (quase) nada acontece!

Se tomarmos apenas por referência os assassinatos deste ano (até 25 de novembro de 2019), foram brutalmente mortas em relações de intimidade 24 mulheres e uma menina, com idades compreendidas entre os 2 e os 93 anos – e 6 dessas mulheres foram assassinadas em espaços públicos.

Tal cifra corresponde a uma mulher assassinada por cada 200.000 mulheres em Portugal. Em Espanha, por exemplo, em 2019 foi assassinada uma mulher por cada 500.000 mulheres. Ou seja, em Portugal em 2019, em termos proporcionais, foram assinadas mais do dobro de mulheres do que em Espanha! E lembremos que Espanha tem o Pacto de Estado e uma Lei integral para a prevenção e o combate à violência com base no género.

Em Portugal, em 2019, foram também assassinados 8 homens mas importa ter presente que 2 foram mortos alegadamente pelas companheiras em resultado de auto-defesa (as mulheres eram vítimas de violência na relação de intimidade), 3 homens mortos por outros homens (namorados), 1 homem morto pelo filho em resultado das agressões constantes à mãe e a ele, e 2 homens mortos pelos ex-companheiros das namoradas. Ou seja, o padrão da violência masculina mantém-se presente também no assassinato de homens.[5]

A violência masculina contra mulheres e raparigas em Portugal permanece invisível, subestimada, banalizada e desvalorizada! E os agressores permanecem impunes! A violência é multidimensional – “manifesta-se de formas contínuas e múltiplas, inter-relacionadas e recorrentes, numa variedade de contextos, do privado ao público, incluindo contextos envolvendo tecnologia, e no mundo globalizado contemporâneo ultrapassa fronteiras nacionais.” (§6, Recomendação Geral CEDAW N.º 35)

A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (a Convenção de Istambul) é o tratado holístico que aborda as diferentes formas de violência masculina contra as mulheres e raparigas e tem de ser devidamente implementada em Portugal. A Lei 112/2009 foi um marco importante mas chegadas a 2019 sabemos que necessita ser avaliada e reformada. Esta lei não se foca na raiz do problema – que é a desigualdade estrutural de poder entre mulheres e homens presente na violência masculina. Esta é uma violência que não é situacional (como manifestamente evidente na dita violência doméstica ou na pandemia global) mas que é acima de tudo relacional e sistémica.[6]

  • AÇÃO PARA A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE VIOLÊNCIA MASCULINA CONTRA AS MULHERES!

Queremos Portugal ativo no combate e na eliminação de todas as formas de violência masculina contra as mulheres e raparigas. Queremos que as palavras ditas pelo nosso Primeiro-Ministro a 15 de novembro sejam concretizadas – “o combate à violência contra as mulheres é um dever de cada um. E é verdade que o legislador tem de fazer melhores leis, que os juízes têm de julgar melhor (…), todos têm as suas responsabilidades e eu também tenho as minhas”.

Se a nossa resposta como país tem melhorado, como também referido a, 25 de novembro pela Ministra Mariana Vieira da Silva, o que falta então ainda fazer?

Ter um entendimento comum de que a violência masculina contra as mulheres e raparigas é um continuum que toma diferentes formas (femicídio, violação, violência sexualizada, violência em relações de intimidade, exploração sexual, prostituição, tráfico de mulheres e crianças, violência online, perseguição, assédio sexual na rua e no trabalho, práticas nefastas, casamento infantil, etc.). Este entendimento é primordial à ação (e a esta tem de anteceder) para que as respostas a esta pandemia que é também nacional estejam adequadas, sejam essas respostas legislativas, administrativas, judiciais, sociais, habitacionais, económicas, de saúde, emprego, qualificação, etc.

Há formas gravosas de violência masculina que não mereceram ainda a atenção devida por parte do nosso Estado. O sistema da prostituição é um sistema opressor, violento, machista, racista, classista. Estima-se que entre 60% a 90% das pessoas prostituídas foram submetidas a abuso sexual e a violação na infância. Um estudo em Coimbra concluiu que 94% das mulheres prostituídas inquiridas tinham sido vítimas de algum tipo de violência nas práticas prostitutivas; 90% quis sair do sistema da prostituição mas a falta de alternativas, nomeadamente económicas, manteve-as no sistema (2010).

Esta é a mais frequente e contínua violação dos direitos humanos na Europa e em Portugal. A objetificação das mulheres e das raparigas dá azo à coação e à exploração sexual em todas as esferas e áreas da vida em sociedade.

Não podemos, enquanto feministas e enquanto cidadãs, esquecer! Não podemos baixar os braços! Não podemos recusar apoio a todas as mulheres e raparigas que são e foram alvo de algum tipo de violência masculina!

Há que apoiar as sobreviventes! Esse apoio é individual e coletivo. Passa por:

  • OUVIR o que as sobreviventes têm a dizer. Reconhecer a força e a coragem que são necessárias para falar sobre as suas experiências traumáticas. Agradecer-lhes por confiarem em nós. Apoiá-las na procura de recursos. Apoiar as decisões que tomem. Respeitar a sua necessidade de privacidade.
  • ACREDITAR nas sobreviventes.
  • RECONFORTAR as sobreviventes garantindo que “a culpa não é delas”. Ninguém pede para ser violentada. A culpa cabe APENAS ao agressor.
  • EVITAR CULPABILIZAR!

A violência masculina contra as mulheres e raparigas tem o propósito de nos silenciar!

As feministas e as suas organizações repudiam esse silêncio, vêm para a rua gritar e continuarão unidas a defender uma sociedade livre de todas as formas de violência masculina contra as mulheres e raparigas.

O que temos feito nestes dias para chamar a atenção:

– Participação de Ana Sofia Fernandes, Presidente da PpDM, na reportagem da SIC – Testemunho de mulheres vítimas de vários tipos de violência;

– Campanha 16 dias de ativismo nas redes sociais;

– Publicação do Apelo de Bruxelas – Juntas/os por uma Europa livre da prostituição;

– Participação na Campanha governamental #PortugalContraaViolência;

– Participação, a 25 de novembro, na Marcha contra a Violência contra as Mulheres em Lisboa;

– Participação em conferências em Lisboa, Coimbra e Sevilha.

[1] S. Laurel Weldon & Mala Htun (2013), Feminist mobilisation and progressive policy change: why governments take action to combat violence against women. Journal Gender & Development, Volume 21. Disponível em https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/13552074.2013.802158?scroll=top&needAccess=true

[2] OCDE (2019), Aid and support of gender equality and women’s empowerment – Donor charts. Disponível em https://www.oecd.org/dac/financing-sustainable-development/development-finance-topics/Aid-to-gender-equality-donor-charts-2019.pdf

[3] Estas organizações – que são parte integrante dos movimentos feministas globais – adotam abordagens transformacionais, verificando-se uma desadequação dos modelos de financiamento muito estruturados e burocrático-dependentes a estes movimentos.

[4] Equal Measures 2030 (2019), SDG Gender Index. Disponível em https://data.em2030.org/em2030-sdg-gender-index/

[5] Embora nem sempre nas relações de intimidade.

[6] Lembremos a definição da CI: “violência contra as mulheres” é uma violação dos direitos humanos e uma forma de discriminação contra as mulheres e significa todos os atos de violência baseada no género que resultem, ou sejam passíveis de resultar, em danos ou sofrimento de natureza física, sexual, psicológica ou económica para as mulheres, incluindo a ameaça do cometimento de tais atos, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, quer na vida pública quer na vida privada. (Artigo 3º, alínea a)).

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